segunda-feira, 20 de junho de 2011

Surpresa em Belém – Companhia MIRAI e o Espetáculo Cinesiofagia Urbana

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Não posso negar: tenho restrições arcaicas em relação a espetáculos de dança. Talvez puro preconceito, baixíssimo conhecimento a respeito da história, técnicas e da linguagem da dança em si. Além de tudo, sou chato mesmo. Exigente demais com produções desta natureza, especialmente em Belém, mas, devo dizer...

... tudo mudou neste último sábado, 18 de junho, dentro do Teatro Experimental Cláudio Barradas da Escola de Teatro da UFPA. Cinco jovens bailarinos de uma companhia que já tinha um trabalho de apoio a outros espetáculos fundaram (sem medo de dizer!) uma nova cena em nossa cidade. A dança de rua contemporânea, da Companhia MIRAI, chegou. Veio para mexer conosco, para incomodar, para assustar, para emocionar, enfim, para ficar.

Cinesiofagia Urbana, primeiro espetáculo integralmente concebido, produzido e interpretado pela companhia MIRAI, formada por Ackson Fender, Angélica Monteiro, Franco Salluzio, Nigel Anderson e Silvia Kamylla, abriu-me um novo universo de admiração e busca, no qual a dança, a fotografia, a poética videográfica e sua fusão com elementos da urbanidade, produziram um território único para sensações e pensares, oportunizando uma sensibilização integral a quem estava presente.

Mais do que uma performance de palco, o espetáculo foi concebido num momento em que, mundo afora, discute-se os destinos das pulsões juvenis, relembrando Freud e a psicanálise, para quem a busca da realização dos desejos pode gerar uma ansiedade tamanha capaz de embotar nosso mecanismo de simbolização e resgatar energias e volatilidades as mais primitivas, ultimando o contato, nessas condições, com atos de violência, humilhação aos que são considerados mais fracos e toda sorte de barbaridades cometidas em nome da afirmação não mais de ideais, mas sim, de posições destituídas de sentido e tão frágeis do ponto de vista da maturidade psíquica que não encontram outro caminho senão o da violência e da depreciação da condição humana.

Assistir àqueles jovens bailarinos-atores e seus deslumbrantes corpos a resgatar ora inocência, ora o peso de uma realidade que negligencia corpos e segue andando, oferta-nos violência gratuita e ao mesmo tempo instiga o nascimento da beleza em meio aos caos, foi um presente. Uma oportunidade rara de ver um novo destino àquilo que, sem controle, investimento ou opção, pode facilmente descambar para a fúria cega e mortífera.

Durante todo o espetáculo não me saia da cabeça que aqueles jovens estavam nos ofertando, a todos nós presentes, uma bela canção pela paz, atualizando o libelo de Paulo Cesar Pinheiro no show de 1976, “o importante é que nossa emoção sobreviva”, em cuja apresentação o artista dizia que aquele era um show do tempo em que o coração valia muito mais. Cinsiofagia Urbana é isso, coração pulsando entre vídeos e sons diversos, uma esgrima muitíssimo bem coreografada entre o melhor de nós e as contradições da modernidade.

O momento em que eles dançam ao som do Radiohead foi espetacular, seguindo-se daquela maravilhosa performance sobre as bancadas em preto e branco. Neste momento, não pude deixar de notar um pouco mais atentamente o talento de cada um dos integrantes, os quais, apesar da coreografia bem ensaiada, deixavam escapar suas idiossincrasias dando um quê pessoal aos movimentos. A direção geral e de coreografia de Franco Salluzio merece aplausos, além da energia estonteante de Silvia Kamylla em cujo solo realmente me emocionei.

Espero que o espetáculo ganhe a notoriedade que merece e que a companhia MIRAI nos brinde com outras experiências e continue brilhando na noite de Belém. Tenho absoluta convicção que eles têm talento de sobra para alçar voos mais distantes. Se assim pensarem, terão sempre o apoio deste canto, o qual além de saudá-los ficaria honrado em entrar na dança. J.M.N.

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