segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

De trás pra frente quase (ou “Anagramas de sozinho”)

Para meu afilhado Leon Moia Caldeira, nascido hoje, pelas
6:30 da manhã perto das Minas de Carajás e dentro, bem dentro
do meu peito também.

Teu nome é só teu. Todo teu em uma reincidência de letras. Aqui estamos sós e vens em resgate é bom que saibas. Não daquilo que fizemos, pois bebemos os resultados da dor. Não! Vens de hálito puro soprar novas histórias. E me puseram essa certeza de que tens uma destilaria de obras sobre si. Uns remendões de sonetos, alvos epigramas narcísicos, ventos. No que mais cabe em minha boca te chamo hóstia. Corpo coberto do santo ofício de tua mãe que te deu muito justa ao marido dela. Está completa tua casa. Verdade que a confusão dos anos de dará um cachorro a menos. E nunca diga que preferes esse ou aquele livro, ok? Mesmo que seja cinza te revela. Esgarça essas paragens de onde sentimos tanta falta, teu pai e eu. Essa inocência gelada de bairro e rigor de linhas, palmadas e descompressão de sozinhos. Os velhos sábios te trazem a tempo de ver brotar a calma madura da espera entre teus pares, alpendres os mesmos durante anos. Vens chegando a braços que não ofendem. É tão estranho te confessar que sou mais teu do que fui meu um dia. Mas assim é. É porque, pela voz dos pilares, tive o convite e prometo: estarei sempre esperando para jantarmos juntos e descobrir a vida, tão logo deixes de me agregar ao todo de formas, que te darão amor incondicional e significarão ainda durante algum tempo, a totalidade daquilo que tens pra ver. Te espero, então, depois da sede dos teus seis anos, depois da farsa das pré-idades, bem no meio da chuva vermelho sangue do que não se sabe jamais. J.M.N.

Foi essa a música que escutava enquanto te escrevia…

Como grandes homens dão grandes notícias

“Digam a todos que Leon chegou rugindo, exigindo o que seu, o cantinho de afeto e um ramo de descendência. Digam que a irmã acordou às 3 da manhã e ainda não desligou dele até agora, cheia dos mais raros cuidados. Digam que Leon foi trazido por mãos amigas e competentes, colegas de trabalho do pai. Digam que o pai esteve no parto e que achou uma experiência brutal, da qual ninguém sai o mesmo. Digam, por fim, que a mãe foi corajosa e aceitou com lucidez o momento em que Leon e ela não eram mais o mesmo ser.”

Wagner Dias Caldeira falando da chegada do Leon, seu filho.

Não posso deixar de registrar a alegria, a espera e a imensa ansiedade em batizar esse menino. J.M.N.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sobre o que me conclui

 

Dor, companheira de horas últimas. Amiga pra depois do fim. Quantas vezes já andei levado pela tua mão aflita até os confins escondidos no apego e na entrega? Se achegue sem perguntar o que ocorreu. Vai sentando nesse sofá antigo que meu pai deixou. Sabes que foi morte ou abandono, algo assim - a lentidão dos passos dessa contradança na qual costumo enroscar minhas pernas em noites com copos e desabafos. O que ocorre é que a tua companhia é a única que me deixa só. Que o teu amparo me deixa à mercê. Que a tua misericórdia me condena. Que quando me reconcilio contigo me aparto do mundo. Mas que quando estou contigo me assemelho mais a mim. Dor, assim te nomeio, e não sofrimento, pois esse foi causado, e tu, dor, chegas sempre depois das tormentas e acorda meu corpo e me crispa com um assopro e me sacode com um gesto e me manda: vai escrever. Não, dessa vez não te prives dos acentos e dos hiatos, faz o teu trabalho. Faz-me acreditar que o esquecimento existe e que um dia chegarei a ele como um pajé diante de uma árvore desconhecida. Faz a raiva suturar os meus cortes. Só não me tires a capacidade de amar, pois sem ela não há manhãs e minhas pernas se descoordenam. Sem ela, eu e tu não tomaremos esse café tão longo enquanto me mostras as tuas quinquilharias de crescer. Sei, não há razão no pedido, mas fica. Pois não tenho mais o que comentar do jornal, e nem culpas pra confessar. Estou fronteiriço. Limítrofe. Nessas horas, costumas me levar pro meu continente e me mostrar um rio próximo de onde nasci. Já te agradeço a paciência com os meus cubos mágicos, com meus esconjuros, todos esses reinícios. Já estou à espera da hora singular em que me mostrarás, sádica e orgulhosa, como me devolvestes as minhas faltas, e assim retornei inteiriço.WDC

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A figura toda

E que alarde ela fez quando chegou. De cruzar a porta o dia ficou pleno cheio como um litro do melhor perfume. Chegou encostando no meu tempo não consumido, alargando-o. Abriu tudo que foi chaga e se ajeitou por sobre. A dor passou. Que quando ela me visita, a vista tem paisagens que eu nunca vira, voou sempre. Além do tudo que eu achava era meu mundo. Ela se entorna feito qualquer líquido que dura, uma água milenar. De pedra em pedra, do meu peito fez sua casa. Ela pertence ao que me escapa, ao que nunca me contaram que vinha. Ainda bem. Sua surpresa está na risca que desenhou curva no meu papel. Sem querer dizer nada, escreveu te achei finalmente na minha esperança. E me ondula e faz frágil. Como eu era antes de saber que uma boca era capaz de me causar infinitos. Isso sim ela não faz. Não vai além do mais fundo da fenda que é meu nada. Onde encontro aquele Deus que me enjoava desde criança e que me deixou tão só, como castanha esquecida. Casca dura e redobrada pelas chuvas da vida. Ela é chusma de nau para oceano. Ela é traço de mapa ainda verde, com terra de ninguém. Ela é consagrada, sem ser o corpo de Cristo. Ela é uma mulher. Que quando fecha os olhos o mundo inteiro dorme e quando os acende – dois sóis potentes – invade me presente. Diz todos os dias que me consome e é linda. Figura inteira essa uma que me ama. J.M.N.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O mal em cada outro

Eu assim te esqueço, príncipe do que não é. Esqueço teu nome vago que me arrepia e consagra como seu fosse feita do que quiseres. Eu que era tão boa e tão perfeita antes de entrares na minha vida de fulaninha, antes de arrancares os aventais que mamãe me deu. Toda quebrada, ordinária até eu almejo teu fim, desgraçadamente contrária ao que me vai bem no fundo. Hoje não posso te querer do mesmo modo ou além. Hoje eu sou apenas a ambição da perfeição que os outros perderam há tanto tempo. Comecei a julgar que todos os que amam daquele jeito impiedoso que era o meu também, não merecem indulto. Eu não mereço inclusive. E por isso apaguei teu nome da agenda, troquei meu endereço e fiz votos para que os céus te levassem com mais pressa. Mas não morres. E a cada vez que escuto teu nome vivo sei que de mim também vem essa tua força de viver, pois te componho como verbo, pois te contrato como saudade. E se já não sou boa o bastante para todos os outros olhos que me viram sucumbir ao que fomos eu os mal digo. E arranjo mentiras e absurdos sobre o que são. E desconto de suas conquistas as avarezas, as perfídias. Enquanto houver força para eu te amar de tamanha sorte que eu nem respiro se não penso em ti todos os dias, haverei de citar o que mais propende à escuridão nos outros. Pregando que o mal dos outros é o que não tenho. Como uma voz que adora do avesso. Como quem espera estar entregue e sem fim novamente. J.M.N.

Para ler escutando…

Recados de geladeira

Sobre o teu corpo, uma esteira ao sol me esperando. Eu principiei meu fogo, meus pelos íntimos encontraram os teus e fizemos um filho. Naquele dia atrás do vento corríamos soltos, desesperados por ninguém nos seguir. Achávamos que o mundo era nosso. Onde foi parar a esperança? Não sei! De todo modo é ultrajante que te aproximes de mim apenas pelas contas do fim do mês. E de todos os recados diários que deixas, o que mais odeio é o que me lembra de fechar a porta da geladeira. E daí, se deixo fugir o frio? Onde estamos? Ancorados nos exílios escolhidos. Eu nas Antilhas, tu no Ártico. Precisamos de mapas e de corações tementes a alguém maior que todos. Quem sabe Deus volta aos nossos encontros. Não reza agora, ainda estou dizendo frases infernais. Mas eu te amo. Por hora vale dizer que ainda sou teu. E que o sol que nos fez nascer e criar outra vida ainda me banha. Farei menos segredo disso de agora em diante. Desde que faças menos drama sobre a geladeira aberta. J.M.N.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Romances sujos I

A verdade marcha e nada conseguirá detê-la (Émile Zola, 1887)

A coisa que tinha me desmentia feito um dedo topado, feito um átrio de coração constipado ou mal feito. Era como a cabala secreta daqueles homens mal intencionados, que de calamidades infestaram o mundo a mandado das graças de ninguém. Aquilo que me prendia o ar antes da vida era a junção de todos os meus medos, a remota frieza com que costurei meu sorriso ao desmanchar-se dela. Era feio demais para atender ao chamado do mundo meu ímpeto. Era como um grunhido ferido muito mais que o animal que o dispersou no ar. A palavra que eu tinha no bolso escondido podia ter sido a liberdade dela e, no entanto, foi minha prisão mais destroçadora. Em cada fiapo de luz da manhã que entrava por entre as grades, lambia-me a culpa serena e doce de já ter visto o que a mentira faz no rosto lindo de quem se entrega. A coisa que eu espremia dentro da boca, a língua afiada passando-a de um lado ao outro feito o fumo de corda nojento, saiu-me por todos os lados. A coisa que me servia apenas de tortura me escapou. Mas ela não ficou liberta. Não comeu as flores de tão belas e apetitosas. Ela me cumprimentou de volta, aceitando eu ser seu amigo por mais um dia. Essa enormidade de tempo que a destruiu e que agora me congela com a bondade vinda de seu abraço final. J.M.N.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dos ciclos e das possibilidades

Hoje alguém chorou em meus ombros. Chorou daqueles choros que apenas os profundos choram. Aquela água desembestada que faz brilhar o rosto e mesmo dentro da dor faz a gente encontrar a beleza de quem a derrama. Água de um universo inteiro em colapso e expansão. Tudo ao mesmo tempo. Ouvi desta pessoa que chorava todas as coisas que já provoquei. Todos os elementos negros de minhas miragens. Meu deserto de vento e saudade se me abateu. Estava escutando como se fosse destinada a mim a adaga desembainhada para o ataque mais feroz. E recobrei a noção de tempo pouco antes de me quedar sem história, milésimos antes de me arremessar contra o muro. O telefone toca. Do outro lado alguém conhecido. Alguém que eu fizera sofrer. Minha vida revisitada – uma culpa atroz e larga. Por um momento eu quis pedir perdão. Por intensos minutos pensei em oferecer meu sacrifício. Até que o choro que eu amparava cessou e eu finalmente entendi que mesmo torto, desigual e indevido eu me qualificara a ser porto. Em cujas margens ancoram desde caravelas a corvetas de mar e guerra. E finalmente senti o perdão que tanto esperei. De nenhum lugar além do horizonte, mas dentro de mim mesmo. J.M.N.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Meu coração

É isso! Não o tenho. Ele me tem. Entre seus átrios, seu pulso, com sua forma de punho, seu soco ardente. Ele me põe na cama se estou cheio e me põe de dores se vazio. Ele me esfrega os olhos todas as manhãs e chama minha atenção à moça que passa. Em seu passo descontrolado aprendi a ser, sentir, extinguir. Aprendi que ele bate independente e suas razões, meus outros íntimos não frequentam. Ele pulsa em nome do que se lhe foi programado seja lá por quem. Se parar de chofre, a morte certa pode ser apenas mais um amor despertando. E por esses seus inventos ele me cria, me domina. Põe sua rede elétrica entre as minhas palavras e acende sem combustível a ilusão. E para que volte ao ritmo desconhecido que só a ele pertence, eu canto. Não me importa que ele me habite e nem pague o soldo. Não importa que ele se alterne e me deixe na mão. E por sua vontade crua e fértil, eu já morri mais de mil vezes, entretanto, nasci bem mais que isso. J.M.N.

Trilha sonora…

É tudo isso

Eu te peço – escute!
Abriu fevereiro mesmo antes de eu chegar
E se o ano vai assim, meu jeito será andar menos
Não por fraqueza, cansaço, tristeza
Mas para ir nos teus passos, andar e viver
Escuta mulher, eu só quero dizer que te amo
E o que guardar em silêncios e desculpas, espera
Um dia nascerá o som do que tem de ser dito
Enquanto isso o amor diz tudo por mim
Todo meu toque é esse amor
Toda minha cura e explicação também
É próprio desse amor meu perdão a mim
E disso nasce mais frátria e abraços
Meus irmãos sentem
Todo meu medo é igualmente esse amor
Que infantil esconde a cabeça para não ser pego
E, desesperado
Salta no caminho do tiro dado meu amor
Seja para salvar quem eu amo
Seja para entender a sua imensidão.

J.M.N.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tautologias I

Guardar-se é expropriar o terreno onde as descobertas do outro se desenvolvem, tomam forma, ganham substância. Faltar com o coração à procura de tantos é estar vendido mesmo sem ter vindo à luz – objeto apenas, por que nem mesmo a ausência afasta a culpa de nossa porta.

Dar-se inteiro, até o último vaso sanguíneo, até a última lembrança de nada é se apagar antecipadamente da vida. Estar-se pondo em redoma, o silêncio dentro, o ar escasso e as coisas acontecendo bem diante da gente. O olhar nessa condição propende a não ter infinitos, mas sofrer deles eternamente.

Não ir ou vir fora do eixo, mesmo que num segundo de delírio. Não apresentar as armas antes do tempo ou escondê-las para lutar de punhos nus e alma esgarçada é atar-se ao marco de lugar nenhum, em cuja topografia a luz não chega, pois o medo é maior. A boca nesses sistemas de medo duro e imponente resseca expele palavras feito farpas, diz alegrias querendo dizer vilezas e, sobretudo, não sente nenhum sabor senão o dos próprios dedos perdidos.

É como se o tato não fosse mais do que algo que muito dói ou muito inutiliza nossa pele.

J.M.N.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Cartas a ninguém (05.01.2012)

Querido,

É com uma ansiedade cujo único remédio é a tua presença entre nós que esperamos a tua chegada. Sabemos que vens de um lugar distante. De um passado tão antigo quanto o teu nome, até mais que o teu sobrenome. Próximo à idade da tua respiração nos nossos sonos mais profundos. O teu leito está arrumado. Tens um guarda roupa e camisas novas. Decoramos as paredes com animais ferozes naquela hora rara em que dispensam amor e proteção às suas crias. Não queremos que fiques com medo das novas configurações que o anúncio da tua chegada talhou em nossa rotina e nos nossos corações, mas devo te avisar que chegarás distribuindo papéis pra quem estiver em tua órbita, e significados para palavras puídas de tão guardadas. Não estranhes que tu, estrangeiro, batizarás as coisas daqui na tua língua. O nome que deres a elas, será o nome delas. É assim por um tempo, até te tornares um dos nossos enfim.

Mas não tenhas pressa. Vem no ritmo do teu nado solitário, com braçadas nos horários mais impróprios. Senta e descansa quando achares conveniente. Esse é o teu reino, e ele te espera. Vais dividi-lo com uma conterrânea que pula e estala os dedos quando o teu nome é pronunciado. Esperar-te a faz feliz. O nome disso é amor. Aprenderás com o tempo. WDC

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Até o fim do amor

Não tenho nada a pedir. Sem condições. Sem a deselegância dos contrapedidos, sequer o terrível fazes isso e eu pior. Apenas sigamos até que as cortinas baixem, nossos olhos cansem ou a vida nos diga para deixarmos de lado o sopro, as enguias debaixo de nossos lençóis e sentemos à beira da estrada, esperando outro dia. Siga-me com essa alegria de jovem que te transborda e cumpre todos os dias. Sinto falta desde tão antes, quando eu mesmo era jovem e tinha as duas asas ganhas ao nascer. Era como uma esperança e agora é como uma bombada de ar em meus dias. Não tens aquelas perguntas estúpidas sobre como resolver as crises, apenas segue. Isso, já vi por ai. Um dia, terei a sorte de ver que acordas sempre com uma determinada coisa que te é específica. E serás aquela que matou o medo de as coisas repetidas serem mortais ao espírito. Venha comigo até o fim do amor. E que este fim seja a morte, a derradeira parada, ou seja, o fim, uma tragédia, uma loucura, um outro amor meu ou teu. Enquanto durar e for profundo como neste exato minuto, quero ir ao fundo dos teus sorrisos, ser, de alguma maneira impensada, tua falta de limites. Espelho duplo que cria tantas imagens nossas e pende ao infinito. Venha exercer-me como gente, como teu sonho, como teu melhor investimento. Até o fim do amor. Até, quem sabe, sabermos que o fim nunca chegará. J.M.N.

Para ler escutando…

Vidência

Se o mundo acaba, não vai se hoje
Hoje a fronha do universo recebe minha pensa
Sou envergado de passados que eu nem conheço
Mas amor, amor mesmo, tenho montes
Tenho infinidades de letras e líquidos
Palavras para dizer e sentir
Feito que a luz de todos os dias fosse só minha
Sou desse material humano e insatisfeito
Todo comprido de ter rodado em mim mesmo
A dor de nascer, a saudade do que não escolhi
Se o mundo acaba, não vai ser hoje
Que hoje, ao que me lembro do que sonhava
Tem um riso moreno que me enleia
Que me prepara para uns muitos tudos,
Para essa minha alma solitária.

J.M.N.