quinta-feira, 29 de julho de 2010

Caros Leitores,

No dia 01 de abril de 2010, o blog Palavras de Ontem completou 2 anos de existência. Como não comemoramos o dia da maneira como deveríamos ou, quem sabe simplesmente, gostaríamos, resolvemos mudar a aparência, para que este segundo semestre começe de cara nova e melhor ambiente para vocês.

O cabeçalho da página foi um presente do pessoal da Criação do Hangar – Centro de Convenções da Amazônia, mais especialmente de nossa amiga Anna Margarida Leal, cujo template original é seguramente muito mais bonito do que apenas o cabeçalho. Porém, por alguns problemas técnico não conseguimos fazer o upload da obra de arte da Anninha a contento. Continuaremos a tentar para que o blog tenha a cara que a Anna imaginou e que tanto nos agradou.

Aliás, abrimos espaço para alguns agradecimentos: no Hangar – Tainah Fagundes e Bob Menezes cujas indicações renderam uma das melhores parcerias do Palavras de Ontem, tendo, inclusive o reconhecimento do grande Vicente Cecim em relação a um texto do Wagner, contido na 8ª edição da Revista Latitude.

Nesta altura do campeonato, devemos dizer que não fosse os reiterados comentários, e-mails e contatos diversos a respeito do blog, é bem possível que já tivéssemos fechado o espaço, dado que tanto eu como o Wagner, somos afeitos a projetos inacabados.

Porém seguimos. E o fazemos com as energias renovadas cada vez que vocês comentam ou nos indicam a alguém. Pensamos que em agosto bateremos a marca de 10.000 visitas e isto é, para nós, motivo de comemoração.

Agradecemos suas visitas e em breve anunciaremos algumas atividades interativas, as quais gostaríamos que contassem com sua participação.

Cordialmente,

Palavras de Ontem

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Perguntas de Ontem XVII

Isolda fez uma pergunta. Calou-me por um tempo. Dava a tarde e não vinha coisa que eu dissesse. Percebi que ainda me prendia. Mordaçava as coisas sequestradas naquele adeus. Foi quando vi que não estou só perguntando recolhido o que invade todas as ânsias, todos os medos e tem o peso de uma verdade inacreditável.

Pergunta de Ontem: o que está preso na [tua] garganta?

terça-feira, 27 de julho de 2010

Inquebrável

Era pura unidade nosso beijo. Pura dor assistida pelo encontro. Maior que fosse o esgotamento tínhamos um ao outro. Os pedaços feitos e acasalados como mamíferos da selva, procriaram e surgiram daí as multidões de estranhamento e céu e fogo cruzado. Uma noite dessas estaríamos mais fundo que o mais fundo dos olhares celestiais. Nossa gruta particular. Cada peito enfrentando os medos, feito espeleólogos muito capazes, porém mortos à claridade feliz de dias acumulados, poltronas de leitura e cães com pedigree. Nossa vida fotografada no imaginário dela era um quadro impressionista, fase indescritível. Vendável apenas para os mais antigos nomes de nossa casta. Cujos passos se repetem entre estes entes de agora. Cuja flor é triste e faz sangue desde sempre. Morreria por mais uma unidade completíssima daquelas. Bocas mascando-se, invejáveis. Era por isso que todo resto fazia sentido. Era por isso que os outros me chamavam de inquebrável. J.M.N.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Poesia acontecida de repente 3

Há tantas coisas que eu quero
Polainas, armas e instrumentos
Quero tudo que cabe em ti
Além do mais, nada mais quero

J.M.N.

Olhos líquidos

Naquele dia nasci de novo
na liberdade que teus olhos causam
na calma do mar de esperanças, que é teu sorriso
teu calmo distrito de amores infantes

E quanto mais acredito na palavra
minha dona mais antiga e constante
entrego-me àquela memória
que me vem bem antes do sono
salvar-me da nódoa do desencanto

São os cristais de tuas imagens
me adornando
As lentes pelas quais vês o mundo
teus olhos doem-me na idéia
feito as ausências fazem doer minha memória

Teu sorriso esconde o que não quero
Vejo por tuas mãos o escorrer de meus medos
Senhora dos olhos líquidos e abundantes,
fica e equilibra meu sono vário
e tão sozinho
Indica a este caminhante,
como se faz para voltar ao seu caminho

Belém, 18 de dezembro de 2009

Poesia acontecida de repente 2

Tua volta foi um longo caminho
De dentro de mim para a estrada
Agora que sei o fim
Posso andar como não fosse nada.

J.M.N.

Os dias da razão ausente

Ouço gotas caindo, em algum canto da casa. O único som que preenche o ambiente. Por fora em letras a forma frágil da obra de arte, a cadeia dos sentimentos de ainda há pouco. Vejo a lua nascendo e indo embora por uma pequena janela nesse meu estado cárcere. Obrigo-me a idéias de soltura. Rasgo o poema antigo. Não era bom o suficiente. Como nada será neste instante. Preciso de campos abertos e ventos uivantes. Preciso de achados, perdidos e outras misturas voláteis. Mais um gosto nascendo acre em minha boca. Mais uma gota explodindo no fundo de algum lugar em mim. Lembro dela, a perguntar sempre. Querendo saber de eternidades e tratamentos de beleza. Lembro dela andando na chuva, provavelmente. Lavando-se do que disse sentir nojo. Uma perda. Perda de si. Quando escapei não fui a Praga ou Bolonha. Fui direto para a copa de uma macieira. Esperando os evangelhos me salvarem. Esperando a boa nota da canção feita para ela. Sempre ela. Vaga a visão que tenho daqueles dias. Dias de ontem e sempre. Dias em que fui mais guia do que mensageiro. Dias em que a razão abandonou completamente a minha epiderme. J.M.N.

Poesia acontecida de repente 1

Enquanto chamo, ouço
Minha voz é só um eco
Daquilo preso na garganta

J.M.N.

A festa do reconhecido

“Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.”

Adélia Prado

Chega o barco com riso e canto, pelas águas deixando o rastro ainda desconhecido. Pensei nos primeiros moradores. Quem ainda sequer sabia o nome daquelas terras. As canoas e seus meninos pedindo coisas para a gente que viajava comigo. Comida atirada e a fome remando rápido para vencer as ondas. Ia chegando. O dia alto fazia sombra em minhas dúvidas. Tudo nascia e tinha cheiro de novidade.

Ninguém me esperava no porto. Sinal que não sabia como entender. A casa pode ser longe. Ela pode não estar esperando. Deu uma funda dor de acomodar os pensamentos naquele porto. Pessoas me reconhecendo e convites aceitos para a noite da festa. Fomos andando. Ao chegar a casa meus ossos responderam às perguntas da ansiedade e minha estrutura até tentou fixar um ponto no horizonte. Isto apenas até ouvir a voz dela.

Que me deu uma febre estarrecedora. Uma maleita parecia. Um quiprocó de geladeira. Suava feito cristal banhado. E fazia vento na minha espinha. Fui andando ao seu encontro. Fui fazendo pensamentos de ter sido esquecido. Nada disso, ela me abriu o mundo no seu sorriso e a prenda da espera compensou todo o sol fervente do meio dia. Eu em seus braços. Amor crescido em água de olhar desejo e sina. Mudei-me para dentro dela naquele instante e decidi que minha casa aguda e recém desmoronada seria refeita. J.M.N.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Limpeza

Abri as janelas. O ar entrou úmido e voraz como sempre. Inspirei fundo o sol de um novo dia. Ácaros mortos aos montes sobre os lençóis. A cama fica bem embaixo dos raios matinais como ela não queria. Seu querer distante. Um devaneio: olhos me atendendo a saudade de revés, secretos. Vi um acidente. Tudo bem todos saem andando dos carros. Muitas buzinas e uma senhora gritando que tudo está um caos. Ela tem toda razão. Abri os armários, todas as roupas são minhas. Todos os cabides vazios. Toda a inutilidade de roupas que estragaram e das quais não consigo me livrar. Parto para as explicações. Minhas exceções não convencem ninguém. Lembro do frio do qual me abriguei num casaco e cheiro aquele templo momentâneo de meu eu de anos antes. Lá estou quase inteiro. Nada dela para me livrar. Seu novo porcelanato que não me sai da cabeça. Encontro cartas. Nada que eu possa me desfazer. Mesmo que tivesse, não me desfaria. Ai aconteceu um lápis de olho. Todo homem é pequeno diante de um lápis feminino antes delas declararem estar prontas a sair. E a felicidade foi de saber que a tive. Rasguei papéis, montes de lixo. Refiz minha arrumação, passei pano úmido no chão e encontrei coisas que talvez fossem dela. Sentei para descansar da lida no sofá da sala e lembrei de apagar as mensagens do celular. Toda nova vida devia começar com um celular novo. Ou com a ausência de um. Morri de novo. Coisas secretas ditas meses antes. Não tive coragem. 98% da capacidade de memória atingida, diz-me a máquina. Que se dane, compro outro aparelho para manter a limpeza de fora. Porque dentro tudo anda do mesmo jeito, sabendo a coisas guardadas, que é assim que sei estar pronto para seguir. J.M.N.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Por que a razão é coisa rara esses dias

Por mais que me entristeçam as desídias do sol que vai morrendo sempre mais cedo. Mesmo que ventres e beijos sejam cada vez mais escassos. Ainda que a saudade seja um ponto muito dolorido no entremeio da solidão abundante da terça-feira enforcada. Saberei que existo caso encostes a cabeça bem perto e me deixe apenas dormir sossegado.

Por que os fenômenos novos são mais servos que donos. Em razão de meus perfumes estarem sempre ofegantes ante teu cheiro silvestre. Por mais que o dourado seja a cor desta lágrima presa que enfarta em meus olhos, esperando demais. Ainda saberei que me queres se alcançares as mais altas prateleiras do armário em busca de chás, macarrão em concha ou apenas o pó escondido que tanto me faz espirrar.

Aliás, tem a distância dos domos celestes. Meus e teus ancestrais que se odiavam e faziam guerras pelas morenas incríveis de nossa linhagem. Outrossim, a echarpe protege do frio que vasculha, que se enfurna congelando nosso ectoplasma. Entrementes a flor que sangra e se abre ferida, esbanja o doce de um roubado beijo, de uma chuva de canivetes. E, ai de mim, minhas voltas às nuvens do poema, permitem secar esse mar de terríveis marés que é a falta que tua presença me dá. J.M.N.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cartas a ninguém (18.09.2009 – 1:31h)

De um lugar inventado, 18 de setembro de 2009.

Recebi umas cartas anônimas. O endereço conferia, mas nenhuma delas citava meu nome. Recebo este tipo de correspondência há dois ou três anos e desde o começo parece que não são para mim. Não sei por que continuo a ler. Confesso uma certa avidez no rasgar dos envelopes e só diminuo o ritmo quando chego ao fim. Leio de novo e fica um vazio. Sinto que não há sustento para essas palavras vindas de não sei quem. O anonimato tem mesmo esta qualidade, pesa menos que a vanguarda da entrega aflita, da madrugada compartida entre abraços e risos por lembranças e vírgulas.

No entanto, guardo todas elas com um cuidado extra por aquelas que trazem cheiros. Não sei quem os põem no branco do papel, por detrás das letras. Algumas vezes atrapalham a leitura, pois mais densos que o conteúdo dos verbos, que os invisíveis sulcos da demarcação das serifas e pingos e acentos circunflexos. São bem poucos os motivos para olhar esses detalhes, mas sempre que não encontro um remetente, vou até o fim das diminutas formas de abandono que cabem nas linhas que escondem talvez alguém que eu conheça.

Não há disputa entre meu sono e o fazer desta busca pela razão de ser destas cartas. Não deixo de pregar os olhos por elas. Mas, sabe? algo me diz que eu deveria. Talvez eu seja egoísta demais como disseste. Talvez eu não entenda mesmo aquilo que está bem à frente de meus olhos, como afirmas por anos e anos. Mas estar na distância dos anonimatos não é o mesmo? Não é transformar-se em árvore ou poste bem na frente dos olhos que se queria estivessem apontados para a gente?

Eu pedi tudo. Nunca me contentei com menos que uma vida inteira. Todos os meus dias são infinitos em cascas de noz. Dimensões irregulares que prendem um fluxo inesgotável de dissensos e ocasos, um oceano de achaques, vozes estranhas e pele enciumada. E no fim, tenho anônimos que insistem em me dizer o quanto sou finito na apuração da realidade que me destelha e acomete. O quanto sou desconhecido na terra de quem sabe mais de mim que eu mesmo. O quanto sou impeditivo para alguém que declara belezas e amores, mas não sente um rumo seguro para me dizer sequer seu nome.

Sinceramente,

J.Mattos

P.S. Anônimo (adj.): sem nome, sem aquilo que o nomeie. Quem empresta um mistério para declarar uma verdade?

Escrito para quem nem sabe mais de mim

Faz tanto tempo que não sei dela. Que não posso entrar à sala e encontrá-la sorrindo. Sentia as dores de um parto sempre que ia. E fui deixando tantas intenções abertas, mas ela sequer sabia de minha existência. As pessoas não escrevem mais cartas e minha literatura permite que eu viceje sonhos adoráveis desta distância inconcebível. Se muito funda vai minha alma para a saudade, o nome dela me sala com sabedoria. Chamava-se Sofia e eu passei a sonhar com as paisagens do Ribatejo depois dela. Um dia, quem sabe, soprarei palavras em seu ouvido e ouvirei de lá uma promessa. Qualquer que seja, será bem vinda. J.M.N.

sábado, 17 de julho de 2010

Dezessete e trinta

Para Adriana, com amor

Vou começar com uma frase do livro que ela me deu, dez anos atrás: amor que ancorado encontra seus horizontes no soprar do vento. O inverno prolongou-se naquele ano. E eu estive quase certo que amaria antes do réveillon. Naquela praia, distante de todos fiz as primeiras promessas. Jurei que estaria ao seu lado neste dia que chega já, já. Não tenho mais verbo para desculpas. Resta o amor manso que está plantado em relva própria, no quilômetro primeiro de alguma estrada dentro de mim. Este dia é seu. Como queria que fosse meu. Vê-la chegar aos portões de Tebas, mulher feita, respostas em todo lugar. A primeira a vencer esfinges tão atávicas. Como queria vê-la acordando com meus presentes lhe adorando o corpo. Lençóis macios, algodão e seda. Mas há distância. Ainda sinto a areia sob meus joelhos, entre meia noite e um bocadinho mais. O mar rajava suave. Ela nunca ouvira as tais palavras, me disse. Minhas curtas mensagens são dela. Meus nomes sozinhos. Ouvindo serenatas que nunca fiz e pensando nos buquês com olhos-de-gato, bem azuis. Seu sorriso incrustado diferente a cada dia. Ela me deu razão. Me deu sentido. Delineou o meio fio de tantos caminhos que tomei. Nunca lhe disse isso o suficiente. Jamais me perdoarei. Em seu renascimento não poderei dar um beijo de bons sonos, de boa vinda e renovação ao mundo. Não poderei sentar ao seu lado no fim da festa e ver que tudo quanto à fez cristalina e bela neste dia, não veio do brilho das velas acesas no escuro. Não veio das palavras dos outros que a reconhecem. Não veio de um ponto desconhecido na manjedoura celeste. Veio do que ela é. Do que eu sempre saberei que deixa este meu mundo inconformado e tectônico tão melhor e feliz. J.M.N.

I've made a Mess...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Decantação

Uma a uma caem as gotas pela mesa e isso sabe a essência de camomila, tal como ela pôs em minha ilusão momentos antes. Vêm de dentro, bem do fundo e tornam-se límpidas à medida que desprendem de mim. Mais um lugar tranqüilizado no peito. Mais um efeito das coisas sobejamente puras que me encontram como dádivas ultimamente. Falamos de segredos, de irmandade, dos princípios lícitos de proteger o outro de nós mesmos – o amor encontrado na renúncia de um momento em razão de um bem maior. Falamos de padres, confessionários e adoração. E não havia dogmas em nossas palavras, apenas reconhecimento. Pude sossegar de minhas perguntas, das sebes eufóricas que me escaparam no primeiro encontro. Pude admirar-lhe a beleza como a uma poesia. Acontecida bem diante daquelas confissões. Um direito pleno a existir sem sustos e de maneira lista, profunda. E ela arrumou meus ossos e meus tentáculos e me cruzou os braços evitando um abraço indevido. Cobriu-me de brilho, encantamento e me deu um brinde. Foi uma dama até em se mostrar desnuda. O que eu vi doura meus sonhos despertos, limpa o lodo dos meus pântanos e me desperta esperanças antigas. Talvez eu veja o fim de muitas coisas que por agora ainda são apenas dor e saudade. J.M.N.

O que me diz teu nome

Leio insano, cartões inventados
Amor
Lago íntimo, cuidador instável
Amanhecido
Lamentos ínfimos, certezas incautas
A mais que anos
Ligamos istmos, cortando ilhas
Abandonados

J.M.N.

Antiguíssimo Testamento

Como vale secreto, procurei teu caminho
Ponto negro, distante milhas da minha vontade
Houve aceno de esperança e barcos zarpados
Nunca a dois, diga-se – um e dois futuros
E ligaste para dizer euforias, mensagem doada
Secreta tez que ninguém mais poderia achar
Tuas amigas pedem mais companhia e vais
E vais para dentro do que supõe tua aventura
Tem de ser assim, como é com tantos
Como foi comigo – retornado das guerras e marchas
Sem sentido!
E não posso pedir que desistas
Mas posso esperar que entendas
Depois de toda Babilônia morta, em chamas
Depois dos pecados, corpos e copos
Depois de bustos, cuspes e orgasmos
Meu sono ainda é casa para o teu.

J.M.N.

domingo, 11 de julho de 2010

Anonimato

Ela pôs um anúncio pra mim. Custei em saber que eram dela as palavras que me faziam sorrir. As palavras me ardem saudades como o maior dos fogos de São João. Ela me arde com o maior amor que jamais tive. Daí, passei a prestar atenção ema núncios parecidos que estiveram bem debaixo dos meus olhos por todo o tempo. E cruzei as palavras e referências e descobri que ela sempre me seguiu. Nunca estive abandonado. Essa notícia de dentro me indicou a saída de minha tristeza mais funda e doída. Me deu prazer de dizer coisas como: deslindei novamente a flor de tua pele com meus beijos. Um poema de entrega bem à vista. Isso que tenho de escrever encontrou razão depois dos nossos beijos. Dos mais intensos aos mais doloridos. Ela não quis responder minha pergunta. Sei do anúncio que ela postou pra mim. Mora bem dentro da melhor das minhas crenças. Dessa pensa eu me alimento com fúria doce e mesmo que ela se queira anônima, sei muito bem que ela ainda sabe de mim. J.M.N.

Meu amor tirou o dia para chorar

Hoje me deu tristeza. Fui ver o que me diziam os olhos no espelho. O tempo tem passado sem perguntar questões simples. Tenho respondido como posso. Especialmente quando falo em silêncio, do silêncio dela. Esse eco quando me volta arrasa tudo. Apenas eu sai partido daquele encontro? Nada me deu socorro. E continuei com minhas perguntas caladas – ou ecoadas conforme me dita o silêncio dela. Talvez eu tenha ferido de morte um amor nascente. Talvez não tenhamos tido o tempo justo para saber mais coisas um do outro. Recorri ao livro de poemas e d lá tirei essa frase: Meu amor quando tira o dia pra chorar, não quer saber de mim. E vejo o céu do dia morrendo em minha janela e a certeza de que a distância é uma pérola já desfeita. Vou morrendo aos pouquinhos pensando nisso e penso na porta aberta da infância, a esperar pai e mãe me buscar no domingo. Eu nunca queria ir. É como me vem a vontade de agora. Não quero ir para essa morte lenta que me convence aos poucos, porque no fim das contas foi justamente ela que me ensinou a querer viver para continuar sentindo. J.M.N.

Na boca de alguém chamada Lucy

Ela improvisava os beijos, nada sério. Amava como só alguém dependente de algo fora de si ama. Sempre atrasada e urgente, sempre achando que vai morrer no próximo beijo. Com um monte de tristeza e martírio. E roubava minha energia. Vampira, terrível e insegura. E eu passei a gostar. Como ousadamente gostava de tudo que me fosse destrutível. Ela pediu apenas uma coisa: não esqueça de mim, baby. Assim, nesse chavão meio chulo e cheirando a estrangeirismos. Uma junkie qualquer entre Bukowski e John Fante. Seu nome era bem brasileiro, mas preferia ser chamada de Lucy. Compreensível. Uma identidade forjada. E tinha menos anos do que quando eu descobri morrer por detrás da porta das empregadas. Lucy me sufocava e plantava acácias no parapeito sujo de seu apartamento. “Não esqueça de mim, baby” essas palavras ficarão muito dentro de mim ainda. Como o beijo que ela me deu e fez um gosto de orvalho. Pureza contra sua melancólica aparência de morta. Ficarão marcadas as palavras até que eu ache jeito de voltar e dizer que fui feliz. Naqueles míseros momentos em que fui chamado de gente. Lucy nunca aprendeu meu nome e, por isso, me chamou de algo que ela gostava muito. O melhor tipo de amor: instantâneo, sem nome e definitivamente inesquecível. J.M.N.

A trilha sonora perfeita…

Oração de lembrança e proteção divinas

Ela havia me avisado que todo saber, que toda literatura não seriam suficientes. O que me varreria a fronte sempre que eu chorasse, seria a água entornada do que sinto. O meu destino líquido de amante.

Ela avisou que eu precisaria de proteção divina. Das mais celestes, das mais onipresentes. Uma vez que eu carregava uma marca que ninguém queria. Ela sabia que eu estava fadado a ser pela metade.

Ela rezou muitas noites por sobre minha cabeça. Os pensamentos santificados enquanto o desejo violento se fazia. Ela morria de ver meu pranto à flor da pele por todas as sutilezas da beleza, por todos os descuidos da entrega.

Ela que me soube muito antes que eles me fizessem. Anunciou cuidados para meu pai. Ela que irradiava a mão crepuscular que me atendia em toda urgência, morreu.

Fica tudo o que foi dito. E se não for assim, qual razão explicaria todas as trilhas que percorri – ela sabendo? Esta lembrança em forma de ruínas deve dizer o que está embaixo das minhas criptas, sob o terreno em que fui radicado e sobre o qual, sei tanto menos com o passar dos anos. J.M.N.

Por hoje

A única coisa que gostaria de deixar registrada hoje é esta saudade imensa, dolorida. Em forma de gume amolado que me rasga tudo. Eu disse que esperava. Estou esperando. Já que a vida não é como a gente quer – faz diferente: volta! J.M.N.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Escravo da alegria

Por tudo o que eu quis dizer e não disse.

Descobri ser o que sou entre os cantos de Orixás, entre as missas de que escapava, entre os beijos mais demorados. Descobri no preceito de existir demais que a cumplicidade pode nascer num primeiro segundo de olhar enviesado – anteparo de todo medo. Deixei tudo para trás no verão que me consumiu integralmente e devolveu muito de minha matéria ao solo exaurido sob meus passos. Eu que andava numa escuridão escolhida. Uma escuridão funda de um amor que não desatava meus nós no porto. Ai aquela luz que entrou farta nas frestas. Que amputou meus membros e refez minha anatomia. Aquela luz que me fez atinar para o que faltava tanto, para o que eu queria tanto querer e sentia vergonha e fúria de não possuir. Eu que nem sequer tentara represar minha loucura, encontrei na luz dela a maior de todas as demências, a maior de todas as promessas – a eternidade num grão de areia do meu deserto. Era demais o teor das substâncias impuras. Era demais a fase incandescente daquela existência. Fatalmente me fez renascer mais doído e agudo do que me houvera. Mais assaz e guarnecido do que os que vieram antes de mim. E essa escória decantada que ela deixou no meu soalho, essa urdidura esfacelada que nada soma, porém retém, tomam a maior parte dos meus ritos, a maior nota dos meus cantos. A menor poeira do seu sorriso é a matéria que me recompõe toda estrutura. No de repente em que me aconteceu a sua vinda, alegria escravizou todo meu rumo. J.M.N.

Para ler escutando…

Cartas a ninguém (07.07.2010 – 4:58 a.m.)

De dentro da noite veloz.

Querida Frederica,

Encontrei nossas fotos. Estão novas e a brevidade do que tivemos encontra-se estampada nelas para uma eternidade de desculpas e senões. Encontrei as tais fotografias não por acaso, não por descuido de estar atrás de outra coisa, de outros ecos celestes. Procurava naquela tarde vazia, uma lâmina que me abrisse sorrisos, que me desfigurasse o rosto e fizesse surgir outra imagem no espelho.

Por tanto tempo evitei olhar aqueles quadros. Imagens de um tempo que parece tão ativo e envolvente. Mas que aguarda, silencioso, as tuas palavras de amplidão e cheiro vário, cujas formas indispensáveis, faltam ao meu padrão de batimentos. Meu pulso desconfigurou na ausência. Minhas vértebras desalinhadas causam dores.

Não foi, decerto, um olhar de idolatria ao passado. Foi uma captura presente e incessante que cabe em promessas e frases ungidas à eclosão dos universos pendulares de nossa entrega. O que vi, Caríssima, foi adoração reincidir feito um movimento perpétuo, irretocável em sua armadura. É assim que ainda penso em nós. É por esse viés que junto postulados e dogmas e arrebento esse meu verbo a dizer que amo.

E ao redor desse grito aflorado fica a carne viva. Viva na imensidão do que não dissemos no último telefonema. Viva na linha tranqüila de tua voz que me cobrou tão pouco, que parecia tão cansada. Ou o infinito inefável do que juramos um ao outro. São prisões de enredo esses meus olhos vendo as fotos. São como sobreviventes de um bombardeio.

Por um lado, guardam a certeza de que as explosões, a fumaça e os estilhaços não acabaram com suas vidas e, por outro, dançam indecisos, aguardando descobrir o mais depressa possível se o que marcará a melhor lembrança será a desgraça ou a esperança.

Sinceramente,

J.Mattos

Como chamo meu fim

Quem disse um dia estaria morto, amor?
Estou esquecido, somente isso
E mesmo assim, tudo quanto me dói cabe nisso que digo
Sou aquém das antigas vidas, um escuso servidor
Da tua angústia, do teu desabrigo
Sou mais teu que soubera ser, que pudera ser
Ser que me prende e enclausura
Não diz amor, que tens razão porque sei
Sei que antes de me vencerem os anos
Antes que uma túnica cubra meu corpo num adeus
Será ao teu lado
Junto ao mais perfeito sono que já houve
Que morrerei inquieto e trágico
Porém completo naquilo que chamarei de eternidade

J.M.N.

Pede ao tempo que não passe mais

Inspirado na canção Além do amor, de Vinícius de Moraes

Sei que não tens mais que cuidar. Sei que não mais entornas o leite em minha xícara no café da manhã e teu pão, não é o mesmo meu alimento. Mas pede ao tempo e aos elementos que me perfazem que estanquem, pois não suporto fluir sem ti.

Sei que agora meu pedido é um gume muito afiado e que o desejo está mais para adeus que para estar. Mas antes que tua passagem esteja comprada, antes que pouses nos confins de outro amor, meu grande amor, pede ao tempo que não ande.

Antes que me dê uma saudade de estar contigo mais do que comigo mesmo. Antes que alamedas me disparem além de meus possíveis passos, corre amor, e me guarda. Toma para tuas mãos esse peito que abriga o teu cheiro e diz ao tempo que não se antecipe.

Traz na mão o ponteiro dos meus anos e me impede de ser de outro alguém, pois que não quero intimar esquecimentos, desfazer laços ou lenços, num adeus para sempre aqui dentro. Volta amor. Traz a alma arquitetada para nós em punho e arrisca. Arrisca estar dentro de um só plano, de um só nome, antes que eu me extinga. Pede ao tempo que não passe mais. J.M.N.

Eis a música

Por todas as infinidades

Por tantas coisas que caladas encontraram a voz do adeus. Por tantos idiomas inventados a dizer tamanhas semelhanças sem que os pares soubessem. Por tamanho desencontro daqueles dias e de nossos futuros. Por tanto desgoverno e adução de danos. Por ocasos e azaléias pretensiosos e solitários. Por noites afundadas em solidões derivativas, anuladas. Por jamais teres feito o que eu queria. Por nunca eu ter te concedido indultos. Por um canto que agora tange acordeões banidos. Por idades que antecipam a dor de nada em comum como antes. Por um velho par de tênis esquecido. Por meus caminhos congelados e distantes. Por minhas veias impregnadas de tua ausência. Por meus tendões retesados de amor em força. Por tanto quanto imaginário e aflito, cruel e bastardo. Atrelado ao espólio das estrelas e de nossa casa desamparada. Por esta forca assumida de minhas lembranças e a constante idéia de me ter perdido. Um perdão a guisa de vontade. Um único encontro de maneira a reverter minha espécie em afortunado. Fosse o que fosse, eu sabia que tudo dependia dela. J.M.N.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ninguém acreditaria

Vê esse corpo derramado te esperando? É minha maior impressão de mim mesma. Podemos fazer uma sobremesa e ir pensando na vida, conforme arrumo o doce na tigela. Ninguém imaginaria que estaríamos aqui. Uma lua escondida e o vinho que adiei no outro encontro. De repente te chamo de idiota e passo a vício. O quanto eu quis que me beijasses um dia desses. Passei as fases de te amar demais e tanto que agora não sinto. Assustadoramente estás. Como quando estamos em uma fotografia. Sou eu quem escolhe as músicas. Isso fala de amor rasgado. Eu rasgo amor e verbo sem delinqüência. És um moleque. Um maldito. Tenho segredos. Deita aqui que estou com frio. Um pedido maior que minhas forças. O que eu digo? O que eu faço? Não devia estar perguntando. E decido confessar coisas. E te jogar em rosto minhas vaidades, meus romances. E fazes o que eu queria. Pedes para que eu pare. Um riso nasce no canto direito de minha boca. E as canções avançam em nossa biografia. Escuto tudo há mais de uma década. Estou voltando aonde não poderia. Tomara que morras. Tomara que vivas. Penso de novo: ninguém acreditaria! Como não me beijaste? E então me beijas. E já não sei o que está em minhas veias. Se o vinho recém aberto, teus botões desalojados, o restaurante descoberto. Não sei, não sei. Estou em ruínas. Quero ser mulherzinha, mas não deixo. Meu pulso não deixa. Estes anos todos tentando morrer e nascer, não deixam. E no fim foi um abraço. Deita aqui. Tô tão cansada. Se puderes fica mais umas horas, até que eu possa dormir feliz. Até que eu possa ser qualquer coisa que eu queira. J.M.N.

E era isso que tocava...

Minha saudade sabe a cerejas nativas

Para S.C. distante de mim apenas nos mapas

Um mirante de onde se via o vale. O rio imenso no qual eu deitava a mansidão do dia. Uma presença inusitadamente atravessada em minhas mais cordiais alegrias em terras de lá. Levantei os olhos e ela estava formada entre o horizonte daquele lugar e a cadência da descoberta de um outro sorriso. E eu esperava segurar sua mão e ajeitar quietamente seu sono um dia. Hoje o dia começou assim, as velas soltas das barcarolas de minha saudade subindo o Tejo a todo vento. Soprava um frescor de pensar em tudo que deixei por lá. Um sorriso, amigos negros, outros brancos. Deixei verdades e mentiras. Algumas sabotagens. Minha saudade acordou num vale imenso, cheio dos olhos dela a me chamar de volta, cheirando à mesa de sua casa aberta a mim. Cheirando às cerejas apanhadas em seu quintal. J.M.N.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O que me é (II)

Quando bem pequeno, quase um pensamento, comia o coquinho das samaúmas. Os moleques diziam que ficava inteligente. Não falaram a quantia, mas me agradava pensar que inteligência dependia dos humores do vento. Desimpaciência de moleque, ou ficava mais esperto ou ia empinar curica. Mas lá nos intestinos do Guamá não tem dessa, quando queremos vento assobiamos assim: fiufiufiufirifiufiiiiiiiuuuu. E lá vinha ele com o mau humor lento de quem acordou recente. Ajudava assobiar às seis da tarde, quando o vento vinha mesmo de qualquer jeito pra varrer pras ilhargas as nossas diabruras do dia: os caralhos e as rasteiras, os cascões arrancados e os desobedecimentos inconfessados. Lá nas lonjuras do meu tempo era assim, até o perdão vinha embuchado de poeira e sacos plásticos. Só safava os farrapos de enchimento e palha onde morávamos. Dentro daquela ruína quente que se fez minha morada de sonhos, mamãe preparava um peixe de pitiú longuíssimo que me avisava na rua a hora do almoço. Na sala, enquanto um irmão pensava em partir, outro em ficar, todos esperávamos o seu João Cotó chegar arrastando sua paternidade cambaleante. As irmãs quebravam as pontas das facas e escondiam as frigideiras. Mamãe não era fácil, estava sempre com o cinto numa mão e o pente na outra, pras horas que a vida escusasse uma lição ou um afago. No quarto de cima, eu escrevia nos cantos não usados de um velho caderno: essa minha infância dorida há de acabar quando o mano chegar do colégio. Eu nem mostrei isso pro Sérgio. Também, naquele tempo nem tinham ainda inventado o amor, e eu já vinha com jirais desabados no coração. O peito arreganhado pra sonhos enganava a velha Gueomá que insistia que o menino tinha espinhela caída, que benzia com uma arruda que murchava, que punha emplastro sabiá, que tinha que cair e não podia arrancar, que nunca funcionou, posto que nunca deixei de me interessar por desimportâncias, nunca me contentei com o sabugo da língua. O emplastro ia caindo com os banhos no fundo do quintal, mas o sabiá ia ficando, como uma sentença em canto e vôo. WDC

O que me é (I)

O texto que estava aqui foi suplantado pela impossibilidade de descrever o que quer que fosse. Nada ficou. Passaram, no entanto, lembranças boas de um moleque calado e só. Que gastava as tardes a estourar os dedos dos pés nas pedras da rua onde jogava bola. As palmas dos pés cortados pelos cacos de vidro. Bom de porrada quando precisava, mas sempre apanhou de mulheres. Primeiro elas usavam cintos e sandálias, depois sofisticaram suas armas e passaram a utilizar a leveza de panos, batons e entregas incondicionais. A inquietude inevitável de vestir-se de silêncio e solidão amainou-se apenas na descoberta do ofício onde esses atributos são indispensáveis. O texto que estava aqui foi escrito com fúria e intenções bélicas. Desertou na primeira risada de Sofia, que, chegando em lufadas rosáceas, espalhou uma substância inominável de consistência nem dura nem líquida, algo entre a alegria e o êxtase. O texto dizia de seios e suas funções na sobrevivência da espécie, ou seja, falava de leite quente e do calor único do cantinho que os seios ladeiam. O texto que estava aqui não podia se revelar, pois misterioso queria o amor dos que o lessem, ou pelo menos refletir os infortúnios da platéia.WDC

Do jeito que chegastes

Viestes. Dessas distâncias do tempo viestes como quem renasceu. Com teu magma incandescente deixando-se revelar úmido da indecência de sempre. Logo depois de um oi apressado já desandavas a mapear de memória detalhes do meu corpo que nem eu lembrava. De passeios transidos pela madrugada da minha querência. Das infinitas formas de acordar do teu lado. Dos insetos acordando a manhã, dos girassóis debruçados sobre a janela, da janela que enquadrou primeiro nossos sonhos e depois a minha solidão. De uma pureza tardia que me levastes - e que por isso te agradeço. Logo tua mão em concha já me aninhava inteiro, como se fosse eu um filho sonhado por uma montanha. Do teu lado não tenho apelos ou botes. Por muitos anos foi de ti que emanou tudo que era de exaspero e conforto. Sabes as minhas sendas, sedes e intervalos. Finalizastes lembrando do horário do almoço, dos talheres pedindo liberdade, das louças que sobraram. Da realidade enfim. Fostes fazer a tua comida. E eu é que fiquei com fome. WDC