domingo, 13 de março de 2011

Livre arbítrio

Marita Gonçalves era emprestada para a casa dos Milard. Tinha sua vida presa ao ir e vir da vassoura, dos panos de chão sob os pés rachados pela soda cáustica que tinha de passar em determinadas partes da casa. Foi assim que sua mãe lhe entregou à Dona Georgina Milard: tome, me devolva quando não precisar mais.

Foi para um mundo que não desejava pela insuficiência de amor próprio da mãe, pela deficiência congênita de ser a filha de uma pessoa tão subserviente. Entregue feito um objeto, Marita resolveu guardar a raiva sendo a melhor faxineira do mundo. E tomou de assalto o carinho dos patrões. Cuidou de seus filhos. Viajou com eles.

Muitos anos depois do empréstimo de sua mãe, Marita resolveu sair para ver o mundo através de seus próprios olhos, sem a escolha dos outros. Fazer os roteiros que aprendeu nos livros. Dona Georgina fez de tudo para que ela ficasse. Já atendia pelo posto de governanta da casa. Não teve quem a fizesse ficar.

Depois de um ano por ai, resolveu voltar para a aldeia onde ainda morava a mãe já muito velha e doente.Marita se instalou numa casa próxima à de sua mãe e ia cuidar dela todos os dias até sua morte. Jamais perguntou porque sua mãe havia lhe entregue daquele jeito, porém, perto de morrer, a senhora Gonçalves confessou que era por causa da necessidade daqueles dias e também por não saber muito bem como lidar com a menina.

Marita mandou rezar a mais bonita missa que já houvera na aldeia.

Alguns meses depois de sua mãe ter morrido, voltou à casa dos Milard e disse que estava voltando para casa, pronta para ficar.

De vontade própria, desta vez, fez questão de dizer.

J.M.N.

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