domingo, 16 de outubro de 2016

Histórias para o silêncio da tarde II

Depois da praia a preguiça. Sentados no alpendre verde vendo os dias passarem pra trás. A casa era só varanda e gente de toda cor entrando e saindo, falando e dançando. Colocando as memórias mais felizes no cheiro do mar daquela cidade e dentro dele a imprecisa verdade de que só seria feliz se voltasse a tempos como aquele. Viveria de passados fosse como fosse. A felicidade aprendera desde cedo, afinal só acontece em nacos, não em banquetes.

Tornou-se a saudade em pessoa. A vida pregressa como sonhos de um amanhã que nunca viria. A casa verde de madeira. Lá dentro o refrigerador Williams de querosene e eletricidade conservava as comidas e os risos matinais de sua mãe. Vantagem dos tempos antes dele. A noite cheirava a sapos, os coaxos enfeitados de tristeza. Cantavam se embalando em redes. Corpos corados, suados e sem sede. Nada mais senão poemas.

À noite sem estrelas ou sonhos ruins fazia com que o descanso fosse completo. Não havia sobressaltos, medo de bandidos. As formigas arejavam a terra devagarinho por sobre as fezes de outros tantos animais quietos que davam vida ao jardim noturno movendo-se secretamente. No rebordo dessa quietude fazia-se nele a solidão que ninguém entenderia. Que todos diriam ser um problema. Nem seus amores, nem seu irmão o defenderiam. Tampouco os pais ou os amigos. Era uma solidão preenchida, alheia à presença. Não por rebeldia, mas por amor.

Imaginava que todos estivessem tão bem consigo mesmos, como ele estava ao sentir a falta pequena das pessoas ao redor. Isolava-se no amor que os outros não sentiam. E deglutia a intensidade das feições e dos afetos que lhe detinham no centro do peito quando pensava em toda a maravilha que as pessoas lhe traziam.


Há tempos a madeira do piso, as árvores em volta, a cor desbotada das paredes da casa cheiram outras histórias. Pessoas que nem percebem o viço da memória daquele lugar. Onde um boi-bumbá dançou e chamou todos à folia, onde nasceram crianças e histórias, onde velas foram acesas em novenas, onde bem-te-vis destroçados foram enterrados aos prantos e onde a certeza que o move se fez mais esplendorosa – a solidão é um imenso baú cheio de coisas de contar a si mesmo.

J.Mattos

Nenhum comentário: