quarta-feira, 28 de abril de 2010

Lírica desde a latitude dormente (ou “Pernocas”)

Antes mesmo de te conhecer vinha praticando tua existência aguda em minhas veias. Transitavas como um sangue espesso e inábil que pouco conduz nutrientes e esmeros, mas força toda a conjuntura orgânica a se refazer constantemente. Não te devotas a nada. Não acresces minha quietude com nenhum vintém. E como te espero sempre no balcão sob a lua, não sei. Uma entrega que inviabiliza a porta entre os gêneros de nossa espécie. Que combina sem distinção nossas analogias e enfermidades. O amor que sinto não é deste mundo, ademais. Não conhece o espectro fácil das visões naturais. É um amor de palma de mão. Único e riscado em linhas previsíveis, mas incontável, como angstroms a olho nu. Salta-me do desespero infiel de minhas noites. Assalta meu sono e troca conhecimentos por incertezas. Estou pronto para tudo quanto teu. Estou aberto para quanta adoração te der vontade. Cabe em mim a ilusão do infinito quando relembro e quando esforço-me em teu ventre a saciar-te, eclodem as mais eufóricas galáxias, os mais enormes continentes. Por ti lutaria as guerras de monarcas e tiranos. Guardaria a paz nos templos remotos do fim do mundo. Tua voz aspergia em mim uma santidade humana e finita, como poucas coisas que cabem em feitos de amor. Mas foi a tua ausência. Foi a distância do que não cresceu e superou os dias entre nós, que me mostrou de fato o quanto ainda estou devendo a nossa estada. O quanto ainda conténs de mim em teu silêncio. Como não sei se escutarias minhas batidas em tua porta, arrisco voltar no tempo, e na quietude do mar de sorte dos nossos sonhos, peço para que fiques apenas mais um instante. J.M.N.

Estava ouvindo isso quando escrevi este texto...

Àquilo que rouba os meus sentidos

"Nunca saberás o que é suficiente
enquanto não souberes o que é mais que suficiente."

William Blake

Há anos que tento compreender. Uma atração irresistível. É como uma fome incontrolável. Quanto mais detesto, mais insisto. É como um esforço que jamais acaba. Um líquido espesso demais para ser bebido. Aquilo que me vence é o que já não dorme comigo. Nem faz trégua. Traz coisa alguma no fim do dia. O que sinto é como um silêncio, nutrido em si mesmo é maior que o desejo de se tornar livre – a voz morta por dentro. Tem muitos nomes o que sinto. Tem muitas vidas e sensos e dimensões. É feito de lírios, coivara a céu aberto. Uma vereda indisponível a qualquer um. Abre-se fora do eixo de minha escolha e acontece, simplesmente. Vem e me ensina a ser como nunca fui. Uma máscara de infinidades. Uma mentira de acabar com o mundo. Tenho nesta coisa uma gana secular. É como uma ruptura que desafia a tudo e contra muitos pode se erguer e batalhar. Quando ouso enfrentar de frente esta sina, a única coisa que fica em mim é um vazio insuportavelmente frio. Como este que me faz escrever agora. J.M.N

terça-feira, 27 de abril de 2010

Equívoco

Escolheste me trair. Escolheste mar aberto em vez de portos. Escolheste punir a placidez dos lagos com pedras atiradas com força. Escolheste o sangue de feridas abertas para teu troféu. Destilaste veneno no que fomos um para o outro. Deixaste a casa secar como um organismo morto. Deixaste a fenda secreta exposta aos inimigos e por isso, jamais te perdoarei. Escolheste sal à doçura da calma. Escolheste teus absurdos diante das certezas que te dei. Fixaste raízes onde não posso ir. Ilhaste segredos onde ninguém os achará. E dentro de mim plantaste a dúvida do que éramos e do que viríamos a ser sob o mesmo teto. Escolheste mato à urbana paisagem de planos e bem aventuranças, janelas perfeitas para jardins estrelados. Escolheste tudo quanto foi sacrifício. Tudo quanto foi pena. Escolheste, por fim, algo a que não me permiti. Escolheste deixar tudo para trás... Não, meu bem, escolhi apenas a mim mesmo. J.M.N.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Quem?

De quem foi a ligação noturna? Quem eu devo anunciar no salão principal? Quem existe na comum tarefa de lembrar. Quem se achega ao artefato nulo que é minha espera. Quem descende dos teus beijos? Quem macula minhas inconsistências e revê claramente meu pacto secreto? Quem é mais inusitado que tu. Quem acerta firmamentos com um dardo atirado no ermo. Mas quem executa esta sinfonia de mentiras? Quem abrange o nada do entorno? Quem devora os mandamentos em seu próprio corpo. Quem naufraga perto da costa dos teus versos. Quem me regra e consome e dispõe a esmo nos lugares? Que se encontra na contramão de minha fuga? Quem detém a escritura dos teus sonhos. Quem te espera na indecisão da noite escura. J.M.N.

Para ler escutando e depois acompanhar...

Poema do amor (in)verso

O mundo que te prende me liberta
O mundo que me acalma te confronta
O mundo que me despe te conserva
Aquilo que me faz te desmonta

Outubro que te santifica me corrompe
Aquarela que te colore me acinzenta
Água que te sacia me consome
Amor que a ti confunde me orienta

Caminho que te perde me encontra
Rotina que me extingue te inaugura
Escafandro que te protege suicida
A palavra que te nomeia é minha morte

A reserva do que sinto te afasta
A releitura de meu passado te assassina
O tempo vago com que me curo te assusta
Não cabe mais um adeus em tua vinda

O tanto que te entrego pouco dura
A métrica que te rima é impostura
Meu teatro a céu aberto é tua rinha
E fazes um bordel na minha escritura

Na rua, as esquinas te resumem
Há placas e milhões de epifanias
Em meu sangue coagulam tuas dúvidas
(O que mais amo te domina e faz mais pura)
E quando lutas as batalhas que te derrotam
Mais eu quero proteger a tua vida
Mais eu quero ser convocado por tua loucura

J.M.N

Belém, 13.04.2010

Inconfundível

Não era cheiro de corpo. Não era flor rara estirada no quarador sob o sol da tarde. Não era o estranhamento de nascer, o avesso do fim de um grande amor. Não era sequer a natureza mostrando segredos, entre cataclismos e hibernações. A visão não era mais que uma pessoa. Não andava mais rápido que eu. Não comia de tão diferente das outras que nem ela. Era uma certa figura etérea, manchada pelas cores da vida, com doses solitárias de tristeza e como se isso fosse possível, sintonizada na mesma freqüência de meus pedidos de salvação. Era como uma metade jamais esperada. A mentira de água matando a sede secular de minhas fronteiras. Ela não tinha cheiro de nada. Única habitante de minha fantasia. A trindade reconhecida em um salto evolutivo de meus piores segredos, de minhas mais roucas agonias. Ela surgiu num tempo desfigurado e beligerante. Onde tudo andava solto e sem família. Veio doida a roubar minhas noites. Veio puta a vender demasias. A cegueira chegou e agora conto meu tempo nos feixes da escuridão que me acalanta, no veio do rio por que trafega meu recomeço. E minha forma humana ainda resiste, apenas para dar-lhe a certeza de que ainda serei o mesmo quando ela abrir aquela porta. J.M.N.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Cartas a ninguém (22.04 – 03:28h)

Caro Joaquim,

O que segue resulta do ir e vir desta luva de extremas memórias que toma minhas letras durante a insônia. Desde toda a vida tenho esse chiste de recolher coisas que ficam internadas em mim e quando menos percebo me escapam pelas ranhuras de uma página ou de um sonho muito branco. E como nada é mais forte que isso, Joaquim, hoje foi ela quem me serviu de tinta e tentou a minha mais funda tentação de esquecer e viver livre, gozando da incerteza que nos é dada no momento mesmo do primeiro choro.

Incomoda-me incrivelmente que não lhe tenha criado dizeres capitais como as frases dos condenados à execução. É mais que um insulto não lhe haver ditado meus gozos a guisa de odes em inspiração altíssima. Mas tu que és letrado, explica: com quantas línguas se forja um colar de manhãs que era tudo quanto queria fosse dela? Explica como se entra no esconderijo da noite para desfrutar o melhor daquela presença, as incríveis forças que cresciam de sua respiração tranqüila ao meu lado?

Ando sem respostas, meu caro. Ando a concentrar meus esforços na criação do mais terno olhar de perdão. Não uma oferta, um pedido. E como a calma celeste que desembainha o dia para sangrar aqueles que buscaram ilusões, cabe a mim um golpe mortal. Uma estocada final na arrogância de minhas verdades mais robustas, mais trazidas da casa de meu pai. Ajuda-me, mesmo da distância acontecida sem desejo mútuo, a ignorar estes risos que nascem a meio lábio, que crepitam trágicos sem razão de ser. Ajuda-me a defender a pouca paciência e responsabilidade que minha avó cultivou em mim.

Caríssimo Joaquim atenta a esse humílimo fruto de vigília sem fim. A esta desgraçada sorte de derramar vontades e entrega e razões sem força alguma para vingar a inocência, o arroubo de ser-me. Caso seja demais este meu pedido, então, apenas abre a janela em sinal de sim. Pois mesmo que não desfiras passos que venham ao meu encontro, mesmo que não concordes com todo o passado entre estas linhas e minha solidão de agora, saberei através deste teu gesto que, tal como eu, enxergas esperança em algum lugar deste céu que nos abriga.

Sinceramente,

J.Mattos

Perguntas de Ontem XIII

Um dia ela virá porque sentiu que devia vir
Pousará distinta entre passados e dúvidas
Sentada prestará muita atenção em minhas mãos
em minha falta; a cor da tarde tenderá a cânticos
E quando nosso respirar for igual a mil voltas solares
Ela saberá que eu senti sua vinda, mais que sua falta
E que tudo que fiz nestes dias intermináveis
Fiz, pois sabia que ela estava prestes a chegar

J.M.N.

Pergunta de ontem: Quando vieres, como será?

quarta-feira, 21 de abril de 2010

De possibilidades se vive

Poderíamos ter passado tardes inteiras em cadeiras de balanço, sendo um do outro enquanto nosso passado rangia devagar, sem nos incomodar. Eu poderia ter te dado meu nome pra colocares no teu, o meu peito como extensão dos teus sonhos, o meu ouvido como fim das tuas feridas. Olho pros órfãos que esperam no Haiti, pros gemidos saídos dos destroços do Chile, pra nuvem negra sobre a Islândia e penso quantas vezes esse planeta ainda terá forças pra contornar o sol. Quantas voltas ainda serão necessárias até nos vermos algo além de uma utopia, de uma impossibilidade sistematicamente negada.

Se esse dia chegar prometo que não deixarei o assombro matutino com o negro dos teus cabelos sobre o branco redondo do teu ombro. Da varanda veremos as roseiras crescerem enquanto me contas as histórias do teu avô, e me dizes como o meu calor parece com o calor dele. Eu seria a tua redenção, tu serias a minha purificação. Teríamos um pelo outro um desvelo tão abnegado que não haveria manhãs sem o cheiro do teu café, sem o cheiro de terra nas minhas botas. Cuidarás do meu frio e do oxigênio que me faltar à noite. Serei o teu sono, nas noites que ele não vier. Quando estiver longe, a distância será emprenhada de passagens da Adélia e do Pessoa, lidas num telefone de não caber de saudade. Cumpriremos as promessas que não fizemos quando, com o rio às minhas costas, vi o quanto precisavas da minha presença e quanto ficavas linda com a margem reluzindo nos teus olhos. Direi assim: que tenho fome de ti, e que falta fazes nos lugares onde não estás.WDC

terça-feira, 20 de abril de 2010

Para as meninas que amamos 3

Não troco isso por nada. Isso de ser eu completa. Homem é tão fraquinho para essas batalhas. Podemos por coxas sobre coxas, costas sobre costas e separar perigosamente as pernas na frente uma da outra. Isso não dá para os meninos. São pobres na certeza de seus corpos. E como acalantam o desfrutar estéril de uma noite, quando, no fundo, nossa alma se liberta. Vê a trilha de estrelas? É o caminho das entregas sinceras. Não há mapas ou planos perfeitos. Não troco meus seios pela frágil presença da força em seus braços, pela bruta dormência de seus afetos. Não troco minha essência nem por onze dos melhores amantes do mundo. J.M.N.

Em lugar nenhum

Nada é de caber em seu lugar. Nada tem o mesmo tamanho, o mesmo cheiro. É impossível que se me apareça igual destaque em andar, som de dormir e ciuminhos. Nada me faz esquecer do que prometemos ela e eu. Nada mais justo pensar que a cama ainda nos espera quente, desarrumada com seus lençóis e cochichos. Atrás da porta a mesma roupa pendurada. E vejo que nesta fronha ainda reside um cheiro do que ela representou para mim. Um cheiro forte de mãos em seda. Uma entidade de abençoar os sonhos. Ficaram na aquarela do céu depois da chuva, aquelas odes e presságios, descobertas. Nada cabe em sua imagem. Perdida como ela própria em translação. Fazendo dias apenas por pretensão de seguir em frente, enquanto ambos se atormentam por não ceder. Nada entrou naquele templo. Nada ronda a imensidão daquela entrega. J.M.N.

O que não ouso em presença alguma

No que penso sobre ela cria-se mar. E mar a gente vê sair da terra e lamber o chão mais forte quando a ira sufocada se liberta. Meu pensamento tem dons de andorinha. Escapa dos ventos tristes e instiga o verão descansado até que a temperatura em redor seja de morte. Naquilo que me sai quando ela brilha, existe um rumo que desconheço e por isso mesmo o sigo. Com a certeza de um menino nascido homem por entre as escotilhas dos segredos, por entre os buracos de fechadura. Através dos vértices mais femininos. À custa de muito esquecimento é que me lembro dela. Através de um quadro ou de um cristal. Através de suas coisas reclamadas. Por cima das nuvens ou na vitrine de uma loja de sapatos. Atada às minhas tarefas rotineiras. Pregada no emblema do meu ser. Enquanto ela se aduba em minhas instâncias mais desconhecidas, acontece uma vida inteira no jornal, uma catástrofe única em algum canto daqui e quando o vento bate e a madrugada cobra o preço de tanta urgência, fico a torcer para que este silêncio seja apenas o seu jeito de gritar por nós. J.M.N.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

As dúvidas de uma tarde muito azul

Não é possível para relógios esse meu tempo de agora
É um tempo calado, sentado, encostado num canto da sala
Esse meu tempo de agora é como uma eternidade para dentro
Expande-se, intercala, assopra e não faz som algum
E eu que já andei pelos quatro cantos atrás de raridades, pergunto:
- É certa essa solidão da tranqüilidade?
J.M.N.

Metade do que sinto

Litterae non entrant sine sanguine

De vez em quando sou simples. Escrevo coisas adoráveis sobre pessoas e perdões que nem foram meus. Tem dias de eu nascer novamente. Enfrentando os outros com se tudo fosse novo em folha. Desusado, para inventar. Acontece, também, de haver mil desejos que rosnam. Mil feras que não se libertam, mas existem. E tudo fica no peito. Um som constante. Ritmo de evitar matar e morrer por um beijo ou por um simples olhar de adeus. Às vezes acontece de eu esquecer quem sou. E nesse pântano de achados e perdidos encontro risos, benevolências e muita paciência perdida. Nesta hora sou dado a benesses. Fico de bem com todo mundo. Expande-se a serventia de meus abraços e fico meio acolhedor. Em outros dias, como hoje, simplesmente existe o rasgo. Uma fenda. Meu grito partido em dois, atirando em pólos cruzados minha vergonha e minhas vontades mais abissais. Num canto minha história esquecida e pouco sã. No outro, grifos e melancolias como que trituram a bondade que gostaria estivesse em mim. É como âncora procurando calço e quando se vê o navio está à deriva, mesmo com a intenção mantida. Mesmo com as providências tomadas. Hoje, e apenas hoje preciso como nunca do teu abraço. Que não me dá alento nem esperança. Que não esclarece mais do que confunde. Hoje eu queria o rumo incerto dos teus beijos. A perdição de teus pedidos. A mania de tuas escolhas. Apenas para olhar o sol de frente. Apenas para enfrentar estes leopardos. Hoje que tudo ao me tocar rasga e desembesta, queria saber ao menos onde despejar meus sentidos e minha carcaça, pois metade do que sinto já é um amor inteiro. J.M.N.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Eu posso atender todas as tuas vontades, menos esta

Eu rio, canto, escuto. Vou cedendo às práticas banais. Antes era grandiloqüência, hermenêutica, coisas que só cabiam entre as prosperidades do meu tormento. Não há cura e aguardo cedo demais a mágoa passar. Por aqui andam correntes e palavras novas em folha. Como para enfeitar o que sinto. Saem a exemplo de vitórias e acalmam muito mais que provocam sintaxes. Caibo em mim e isso me contenta. Pela janela um mundo inteiro acordando sob meus olhos e eu disposto a ele. Apenas pergunto por que me esperou tanto. Quanta confiança. É assim mesmo. Uma música calma me acende agora. E nos acordes tenho a sensação de que acordas também. Te peço para entrar. Já estavas em mim de qualquer forma. Mesmo que não queiras. Vou voltar e insistir para que fiques. Vou te dizer tudo o que queres, mas não me peça amor, para enfeitar de desculpas meu jeito de ser. J.M.N.

Para ler escutando...

Em nome de quem?

Não somos capazes da verdade. Antígenos, por natureza, causamos danos. Sentados ao paço de fronte, onde tudo inicia e acaba. Somos servos daquele que não tem nome. Um momento, uma mentira. Não temos hora nem dia. Tampouco estamos nos compêndios. Nossa história suplanta as demais, pois interinas de uma paixão violenta que a tudo sorve e bagunça. Não somos mais do que artifícios. Jogos de azar e culpas e rodízios. Somos artilharia pesada contra lanças e tacapes. Nossa antropologia desafia os tempos e não se faz preces para entes como nós. Somos ousados, intrépidos, malditos. Somos alérgicos ao que se acomete de dúvidas, de acomodação. Não somos nada. Somos a gana de estar embutidos nas paredes dos templos, recendendo a memória e felicidade. Somos momentos curtos demais para resistir. Na cauda do dragão de Jorge levantamos nossos nomes aos céus e como artífices de um mundo onde as verdades são sentidas, temos a força de proclamar nossas vitórias. Temos o dom de refazer nossos destinos. Somos os loucos de deus e vivos, apenas porque escapamos da eternidade. Apenas porque seguimos vivendo. J.M.N.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Perguntas de Ontem XII

Então, isso é tudo? Era isso que, como uma viga desesperada, sustentava o teu silêncio? Era essa a serpente que sufocava o teu riso? Eram essas as verdades que a tua ironia guardava? Mudastes, meu amor. Um dia me pedistes as promessas que todos os homens fazem, essas de que largaria tudo, inclusive a si próprio, só pra te amar. Que minha vida andava em ruínas até que chegastes. Essas coisas. Preferi viver um dia por vez. Era a verdade que efetivamente eu possuía. Agora vens com todas as tuas vísceras esperando que eu me enforque com o teu dentro. Agora vens sequestrando a minha tarde e pedindo o meu perdão como resgate. Ora não me venha com essa falta de chão, com esses queixumes antigos, que os relógios que me destes já começam a escorrer pela pia, junto com os quilos que ganhei e algumas esperanças olvidadas.WDC

Pergunta de Ontem: Com quantas verdades se destrói um amor?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Cartas a ninguém (14.04 – 02:32h)

De dentro do som mentido, 14 de abril de 2010.

Ouvi o barulho da porta abrindo. Não era ninguém. Não era nada. Algumas boas lembranças partiram desse nada que veio. Estava frio. Aguardei mais outro sinal de ti. Silêncio. Já se passaram anos e mesmo assim continuo a ouvir coisas ou quem sabe são elas que me ouvem. Coisas acontecidas por ai, pelo esquecimento teu. Juro que tinha um vento partindo do lado de lá, na direção da saída (ou entrada?). Mas não fui ver o que era. Já bastava aquela tranqüilidade dentro da casa e a vizinhança vivendo seus sonhos noturnos enquanto eu procurava um cerrar de pálpebras esquecido que me coubesse.

Sabe? Algumas vezes mentir é bom, especialmente quando calha de encobrir um grande rombo na gente. Dá uma sensação de costura na pele, de que o sangramento parou. Mas não é nada de fato. E tudo por causa de um barulho que não existiu. A mentira eterniza uns raríssimos segundos de vazio repleto. E só. Tô morrendo mais um pouco. Como quando meu canário fugiu anos atrás. Sempre desconfiei que minha mãe teve piedade dele e lhe contou a verdade de suas asas. Ele aceitou. Como eu aceitei a verdade de tanta entrega. Como nós que esperamos nossas asas secretas cederem a um céu azul ou a um grande penhasco à beira mar.

Agora apenas serve de estada, esta rua transida de rotas fugidas, de caminhos mortos. Fico olhando pela janela e quando encontro o primeiro raio do dia já é quase noite dentro de mim. Me comporto como houvesse hemisférios respondendo aos astros em meus lamentos. E tudo é colossal e tectônico, com abalos e vulcões destrutivos. Escrevo isso enquanto espero que aquele pequeno som aconteça de novo. Urgindo que o rodar da chave na fechadura me conte que és novamente parte desse meu império solitário, cujo destino apenas depende de tua vontade e de tua maciez dominical.

Recordo dos teus me fazendo festa e não pergunto jamais se já esqueceram. A porta descansa. Como descansam essas páginas não enviadas e tristes. Esses timbres de passado e amor que me soam infra-sônicos, alucinantes, dissolventes. Escrevo esta mensagem a quem interessar possa ou espera como eu: uma porta abrir madrugada adentro; um vulto ganhando forma e recolhendo toda a luz ao redor e as três palavras aguardadas com a urgência de uma vida inteira; a demência de um par de horizontes se encontrando em meu peito. Amor este que me encurtaria o sono, mas me deixaria na profundidade de um universo muito novo, em cujo parto saberia à beleza cósmica, tua presença.

E mesmo que nenhuma porta nunca mais se abra. Mesmo que nenhuma chave permita meu destino entrar pelo mesmo corredor de tantas idas e vindas, meu coração fecha os olhos por um momento e não questiona a intenção permanente de pular em ritmos impensáveis, caso aconteça de me assaltares uma noite dessas, gerando o som inconfundível do pertencimento,, de chaves abrindo rumos, abrindo meu peito, dizendo que daqui de dentro, não sairás jamais.

Sinceramente,

J.Mattos

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Enquanto as certezas não vêm

Esperamos o dia inteiro. Guardando segredo sobre a ansiedade que ia aumentando a cada trabalho terminado, a cada hora passada. Talvez tenhamos nos encontrado secretamente na cota interminável de devaneios de que nossas mentes são capazes. Chega a tarde com seus tons de cinza. Vai chover. Lembrei da facilidade antiga de encontrarmos sorrisos dentro das coisas mais estúpidas e pensei em quanto tinha sido feliz ao seu lado. Minha pele deu conta de que não me pertence, mais uma vez. Terminava o relatório com a mesma fúria de quem está prestes a sair de férias e mesmo com tanto trabalho pela frente me senti despedindo as grandes responsabilidades e cada vez mais indo aos braços de uma incerteza que mais integrava do que dissipava. Aconteceu. Chegou a hora. Ela entra no carro. Achei que não daria a partida por que eu mesmo estava sem saber como agir. Ela então me disse que esperara tanto quanto eu. Liguei o carro. Ficamos ainda uns minutos parados. Em meio ao seu cheiro descobri coisas tão antigas e delicadas que foi como entrar novamente nos meus domínios, minha fé nos reencontros talvez tenha se refeito. Sem aviso, ela beijou minha mão e disse: vamos. Aquilo ativou encantos, cumplicidades e algumas dúvidas, mas fiquei com a forte impressão de que não cabia perguntar. E antes do fim da noite tive certeza de que muitas coisas ficariam ainda sem resposta. J.M.N.

sábado, 10 de abril de 2010

A Estrela Negra

Os perfumes destilados em oficinas de terras antigas anunciam uma pérola tão bem guardada quanto um segredo de menina. Os odores forjam pegadas sentidas pelo olfato e pela história da paixão. Aproximei as duas narinas – a que cumpre sua função e a que esta lá para dar o equilíbrio – assoprei e surgiu um caminho invisível. Dois sois castanhos e uma supernova de onde saíam frases lânguidas e muitos desafios. Deitou a cabeça no meu peito, e então descobri o que a fazia tão especial. Uma estrela negra, vigiada por um colarinho zeloso, encravada numa parte do pescoço que a anatomia ainda não nomeou. Negra, pequena e alada, como os insetos minúsculos dados à umidade de boxes de banheiro, mas estrela, pois assentada em constelação láctea e sedosa ao toque dos dedos. Estrela sim, pois estava ali, sendo apenas, e fazendo-me sonhar que o negrume dessa minha noite eterna pode enredar apaziguamentos e doces aventuras.WDC

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ao amargo que se anuncia

Vê? É o amargo chegando. Trazendo na bolsa aquilo que sempre evitávamos contar um ao outro. Desce seco e rasgando a verdade. Desce desde a boca com sua clausura de riso. Desce pela cova do alimento, mas não nutre ou descansa até fazer seu efeito. O amargo desta noite é como uma passista mostrando dotes. É como um cabelo na boca, sorrateiro. Um incômodo gosto de agonia. É ultrajante. Um passageiro indesejável das sinfonias e dos novos beijos. O amargo carinho que me descola e fere. O amargo benquisto que me freia e chama atenção à vida. Caso contrário não haveria futuro. Caso contrário não firmaria meu nome. A esta promessa contínua e desiludida de cumprimento. A este velho senhor de braços longos e sinuosos é que reconheço. Um travo no canto do céu de abril. Minhas nuvens dissipadas de saudade. Gosto que não se apaga e que confere elegância aos sabores insondáveis dos recantos dela. J.M.N.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Into My Arms (ou Eu não acredito em nada menos que a entrega)

Inspirado na música Into my arms, Nick Cave and The Bad Seeds, 1997.

Nada mais dourado e duro que vê-la chorar. E ao sair de mim os motivos do pranto, nada mais triste que vê-la partida, sem coisa que impeça tanta dor. Quase um gosto esta minha espera pelo dreno dos sais de seus olhos. Quase esqueço que acredito em deuses e que rezo para os anjos quando me molho nos olhos dela, despencando das certezas, afinando sua força com um suspiro de encontrar mais um pouco de ar para crer que pode estar errada e que seu pranto não é mais necessário. Apesar disso acredita no amor. Eu também. Talvez de um jeito menos lindo e intocável. Talvez mais curto que uma vida inteira a dois. Mas eu acredito em nós, amor. Acredito num caminho branco e algo ajuntado de letras e compromissos. Algo internado e longe das dependências. Simplesmente livre e afim dos livramentos. Amor que consome, mas sepra braços para as noites mais assustadas. Fique. Suspenda as perguntas, pois enquanto não temos as respostas, podemos estar em silêncio, entrelaçados nos braços criando forças que não são nossas. Criando lágrimas de alegria, em vez de explicar a razão de não conseguirmos continuar. J.M.N.

Para ler escutando...

Como querer

Desde um tempo longe eu vinha querendo ser dela. Desde as suas entradas triunfais naquela sala. Desde que a vi segurando um livro e rindo sozinha no portão da frente é que meu íntimo se encarregou de guardá-la solene e branca como a um raio de sol. Foi quando a noite anunciou que jamais teríamos outro instante parecido e como num ritual explodimos os pecados contra o véu inaudito daquelas preces, que tudo em mim gritou por ela e por ela ainda fica a ressoar tarde e longe. Como uivos de uma matilha de lobos, como a vontade pela vida de alguém no cadafalso. J.M.N.

Rocks and drágeas – as perguntas que nunca faria se fosse normal

"…a interpretação não prova coisa alguma,
ela apenas cria condições para que surja o sentido"

Fábio Hermann - A psique e o eu, HePsyché, 1999, p. 15.


O mundo agora chega até mim mais lento. Pastoso até. Com cheiros reconhecíveis e tempos e movimentos que antes eu achava ser impossíveis. Entra e atravessa as barreiras desconcertantes de uma entrega sempre antecipada, constante, viciada em velocidades terminais e aliciantes. O mundo entra em mim pelos portões de meus sentidos biológicos, atravessa a barca das idéias e completa faltas que outrora eu apenas acreditava serem de outrem. As cores, os sons, as melodias delicadíssimas de finais de tardes acontecem espetacularmente diante de meus olhos. Como deveria ser complemento de mais um dia de trabalho e descoberta, invés de calma isso me dá receio. E a única dúvida, a única questão que me trucida (e talvez a única que valha à pena ser respondida), passa pelo prisma e multiplica: é assim que será para sempre? – Onde estão as escarpas de pedra? Os prados infinitos onde meus desejos corriam soltos? Cadê a menina que me detinha com sua brasa de quietude familiar e não encontrava jeito de saber como eu a amava? Cadê meus pais odiados e meu irmão detido nas impossibilidades de adoração e estima? Cadê meu chão? Afinal, tenho umas quantas coisas diluídas na presença estável de meus neurotransmissores, indivíduos que nasceram comigo, mas que, por mim, morreriam à deriva da fisiologia integrada e sentidamente – normal. Eu apenas acho que em breve terei de decidir se quero ser eu ou uma cópia manchada dos medos e desistências que tanto detesto. J.M.N.

Para as meninas que amamos 2

Penso em quem ficou sem saber que vínhamos. Penso nos conjuntinhos de roupa íntima e de passeio que não verão as estações daqui. Penso em minha mãe dando adeus, sozinha no portão de casa, talvez querendo saber onde errou. Mas não há sofrimento neste pensar. Penso nas toalhas felpudas, nas conversas até o raiar do dia, olhares que me capturarão e deixarão inesquecíveis rotas de fuga em mim. Memórias que um dia serão antigas e caberão em sorrisos lentos e secretos. Penso no sorriso dele, enquanto encontro os motivos de não pensar, feliz que estou por esse novo tempo de encontros. Acho que finalmente penso mais em mim. J.M.N.

domingo, 4 de abril de 2010

Depois da Insanos 90’ – Relicário 03.04.2010

Ontem fui à festa da Se Rasgum, Insanos 90’. Pela terceira vez tive a mesma impressão – Tô ficando velho. Não por não aguentar até de manhã ou por ficar exausto depois de mexer o esqueleto por meia hora (o que é verdade, acrescente-se), mas por ter desenvolvido a certeza (primeiro indicador de velhice) de que quanto mais ouço coisas novas (2º sinal) mais volto a buscar os clássicos (3º sinal).

Não obstante a fantástica oportunidade de reencontrar amigos sensacionais e rever gente que não sabia se ainda andava por aqui, além de ex-amores e quetais, ir para esta festa, em especial, contou com um ingrediente extra. Duas presenças realmente significantes no mar de noites sozinhas destes meus últimos dez dias – minha irmã Ana Clara e nossa “amiga” (já defini Lala) Laise.

Risadas, comentários mordazes, encontros inusitados (ou nem tanto). Um tigre portando um inefável senso de autoridade e certeza de ser atrativo e mais outras cenas inviáveis a uma completa paz na diversão a três. De qualquer forma, a noite foi sensacional e gostaria de expressar isso, especialmente deixando um grande abraço ao Marcelo damaso, meu companheiro no show do Echo and The Bunnyman em São paulo, anos atrás; Érico Oliveira, nosso hoster na saga do Belle and sebastian em 2001 e o Rui Oliveira, padrinho de minhas primeiras incursões como DJ na saudosa Atenas Rock, em 1996.

E depois desse revival de noventas, nada mais justo que continuar na trilha da década áurea de todos esses que citei (com exceção do Rui que já andava pelas quebradas desde os 80), de muitas das minhas mais adoráveis lembranças. Década em que fui pai pela primeira vez e tantas outras cenas dignas de retrospectiva.

Portanto, de dentro do baú do rock noventista, quatro coisas importantes demais para se ficar sem conhecer:

The House of Love é um clássico das pistas de dança de Belém na década de 90. Esta música, em especial, sagrou uma noite sensacional, onde eu, Velton, Rui, Marcos Blu, Cesar e Leoni, lançamos o fanzine What’s That Sound, numa noite que culminou com um beijo merecido que deveria ter sido dado no Ricardo lago, mas que, por obra do destino presenteou outra pessoa.

Pavement fez a cabeça de muitos de nós naqueles anos. A melhor lembrança que tenho desta música é a reunião no Puta’s Bar, perto do terminal rodoviário onde presenciamos uma cena que viria a se tornar tema de conto do Cesar para o WTS.

Into the Blue do geneva foi um hit duradouro da Atenas, passando a compor o set list da Jimmy Night em 1997. Foi de longe a melhor (ou única?) coisa boa que esta banda fez.

Junto com Into the Blue, Sometimes do James fechava uma das melhores sequências já feitas naquelas pistas. Boas lembranças. Muito boas. J.M.N.

Estradeiro

Estrada 1

Onde me leva a estrada?
Onde abandonado me encontro dentro dela?
Tem um segredo de desvendar as minhas rotas, esse corpo de estrada.
Acode quando mesmo me inspiro.
E não permite fugas, os desvios ou paradas desnecessárias.
A estrada leva sem olhar futuro.
Leva mais fundo, para dentro de mim. J.M.N.

Great Dictator (Charles Chaplin)

Tantas coisas há nesses anos de existência que conferem razão para muitos interesses pessoais e tornaram-se emblemas de meu reconhecimento como artífice da Kultur. Mas pouquíssimos são aqueles momentos, aqueles emblemas que me remetem à grandiosidade do pensamento humano aliados ou mediados em linguagem cultural divresa dos códigos acadêmicos e à disposição de quem quiser conhecer.

Sem dúvida, em minha história, o peso desta cena anexada ao post, tem um lugar dentre os mais altos postos dessa representatividade do gênio humano. Especialmente por se tratar de um conhecimento, de um produto mediado por figura importantíssima a mim – meu pai. Revendo esta cena inúmeras vezes ao longo da vida, sempre me emociono com a força destas palavras e com a atualidade deste discurso libertário e autêntico, me recedor de muita atenção e eliciador de paixões incontestes.

Com vocês Sir Charles Spencer Chaplin…

Confissão escapada

O chão da pele dela engravida minhas linhas
Pare antecipado nosso rebento
Tem húmus até para um cedro, o seu chão
É para mim, a fortaleza do caminho
Minhas mãos tocam esta estrada de dor e luz
E aquela, como ostra, ameaçada, se condói
Forja uma jóia, comprime o tempo
Preciosa tez com mil sentimentos
Tem vaga para abandono e
Silêncios colhidos para o perdão
Tem sujo e trapo e maldição,
Filigranas e alfenim
Desmonta minhas perguntas
O vivo de tocar nela reproduz
Sem calor ou culpa, desnuda reticências
E se coloca, novamente, dentro de mim.
J.M.N.

Pala ler escutando...

Isto

Isto não me dá sossego. Já comprei mais do que podia e mesmo assim não fico saciado. Isto me queima as retinas e instaura ignonímias em minhas artérias. Fico errado desde sempre e para sempre abandonado da razão. Custa saber que me atinge. E o domo do mundo não me contém mais. Ando gelado nesse amor que me destelha e me ergue como uma taça no horizonte celeste. Fico intragável nas manhãs em que me falta. E como um susto que causa dores secretas e nuances de pele, este amor demais, encurrala e cresce como uma planta rara e cria destinos onde eu achava que havia certezas. J.M.N.

Paisagem íntima

Há dentro de mim uma paisagem. Às vezes ela se esconde de haver buscas pela tal imagem. Seria uma miragem não fosse feita de ti. E sei que em mim estiveste. Como levaste um ínfimo que seja de meu olhar. E deixaste a quinta parte de tua existência e calmaria. E resumiste o fogo santo de minhas batalhas. Aqui dentro vivencio o que o mundo não permite. Há demônios encruzilhados em minhas rotas. Há dentro de mim um mundo inteiro, aonde escondes tua coragem e tua razão. Nestes campos de centeio tão imensos é que desfazes a impressão de não estar e corres solta, cabelos ao vento e eu, princípio de louco no plano de cá, sento e contemplo a vista. Dá para cheirar o que pensas. Dá até para sonhar com nossa liberdade. J.M.N.

Inveja competente

Ao homem do barro. Escultor de muitos novos sentimentos em minha pena.

Ele não sabia o que causara. Não pressentiu que aquele abraço, visto de longe foi como um choque. Uma reentrada na atmosfera do planeta. Quente e perigoso como todas as vezes. Ele não separou um sorriso especial, não deu conta de todos os olhos que se admiravam da cena. Ele não usou seu humor ferino para sangrar aquela pessoa que se aproximara tanto. A poucos metros alguém interceptava seu brilho e invejava aquele gesto eloqüente e preciso que o fez tão grande quanto o sol. Quem o enxergava naquele momento podia sentir que ele não acreditava ser merecedor dos tais afetos, das tais palavras. De maneira infantil estava sendo admirado, mas sem a devida profundidade. Um tempo depois veio a confissão. A alegria por se ter visto fazer mais um escritor. Um admirável escritor. Nascido no coração das palavras de um homem sem membros de uma senhora de fala infinita, com irmãos multiplicáveis que lhe devem um sem fim de explicações, mas amam. Este homem que tanto faz jus à sua entidade é muito próximo de mim, cuja fortuita atividade de escrever encontra-se à sua disposição. Este homem a quem chamo de irmão, restaurou em mim, naquela noite, a liberdade de invejar sorrindo, desejando, antes de tudo, estar no mesmo mundo das criaturas mais colossais, como ele próprio. J.M.N.

Meus sentimentos

Quando amanhecer e eu pedir socorro, acode que é bem provável eu estar extinto. Quando calhar de nascerem lágrimas ao meio-dia em meu trabalho, te despede, pois é quase certo que estarei findando. Quando outros corações estiverem preocupados com minha vida, já será tarde demais, pois esse tipo de reconhecimento só acontece depois que a gente se vai. J.M.N.