Estava ouvindo isso quando escrevi este texto...
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Lírica desde a latitude dormente (ou “Pernocas”)
Estava ouvindo isso quando escrevi este texto...
Àquilo que rouba os meus sentidos
enquanto não souberes o que é mais que suficiente."
William Blake
Há anos que tento compreender. Uma atração irresistível. É como uma fome incontrolável. Quanto mais detesto, mais insisto. É como um esforço que jamais acaba. Um líquido espesso demais para ser bebido. Aquilo que me vence é o que já não dorme comigo. Nem faz trégua. Traz coisa alguma no fim do dia. O que sinto é como um silêncio, nutrido em si mesmo é maior que o desejo de se tornar livre – a voz morta por dentro. Tem muitos nomes o que sinto. Tem muitas vidas e sensos e dimensões. É feito de lírios, coivara a céu aberto. Uma vereda indisponível a qualquer um. Abre-se fora do eixo de minha escolha e acontece, simplesmente. Vem e me ensina a ser como nunca fui. Uma máscara de infinidades. Uma mentira de acabar com o mundo. Tenho nesta coisa uma gana secular. É como uma ruptura que desafia a tudo e contra muitos pode se erguer e batalhar. Quando ouso enfrentar de frente esta sina, a única coisa que fica em mim é um vazio insuportavelmente frio. Como este que me faz escrever agora. J.M.N
terça-feira, 27 de abril de 2010
Equívoco
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Quem?
Para ler escutando e depois acompanhar...
Poema do amor (in)verso
O mundo que me acalma te confronta
O mundo que me despe te conserva
Aquilo que me faz te desmonta
Outubro que te santifica me corrompe
Aquarela que te colore me acinzenta
Água que te sacia me consome
Amor que a ti confunde me orienta
Caminho que te perde me encontra
Rotina que me extingue te inaugura
Escafandro que te protege suicida
A palavra que te nomeia é minha morte
A reserva do que sinto te afasta
A releitura de meu passado te assassina
O tempo vago com que me curo te assusta
Não cabe mais um adeus em tua vinda
O tanto que te entrego pouco dura
A métrica que te rima é impostura
Meu teatro a céu aberto é tua rinha
E fazes um bordel na minha escritura
Na rua, as esquinas te resumem
Há placas e milhões de epifanias
Em meu sangue coagulam tuas dúvidas
(O que mais amo te domina e faz mais pura)
E quando lutas as batalhas que te derrotam
Mais eu quero proteger a tua vida
Mais eu quero ser convocado por tua loucura
J.M.N
Inconfundível
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Cartas a ninguém (22.04 – 03:28h)
O que segue resulta do ir e vir desta luva de extremas memórias que toma minhas letras durante a insônia. Desde toda a vida tenho esse chiste de recolher coisas que ficam internadas em mim e quando menos percebo me escapam pelas ranhuras de uma página ou de um sonho muito branco. E como nada é mais forte que isso, Joaquim, hoje foi ela quem me serviu de tinta e tentou a minha mais funda tentação de esquecer e viver livre, gozando da incerteza que nos é dada no momento mesmo do primeiro choro.
Incomoda-me incrivelmente que não lhe tenha criado dizeres capitais como as frases dos condenados à execução. É mais que um insulto não lhe haver ditado meus gozos a guisa de odes em inspiração altíssima. Mas tu que és letrado, explica: com quantas línguas se forja um colar de manhãs que era tudo quanto queria fosse dela? Explica como se entra no esconderijo da noite para desfrutar o melhor daquela presença, as incríveis forças que cresciam de sua respiração tranqüila ao meu lado?
Ando sem respostas, meu caro. Ando a concentrar meus esforços na criação do mais terno olhar de perdão. Não uma oferta, um pedido. E como a calma celeste que desembainha o dia para sangrar aqueles que buscaram ilusões, cabe a mim um golpe mortal. Uma estocada final na arrogância de minhas verdades mais robustas, mais trazidas da casa de meu pai. Ajuda-me, mesmo da distância acontecida sem desejo mútuo, a ignorar estes risos que nascem a meio lábio, que crepitam trágicos sem razão de ser. Ajuda-me a defender a pouca paciência e responsabilidade que minha avó cultivou em mim.
Caríssimo Joaquim atenta a esse humílimo fruto de vigília sem fim. A esta desgraçada sorte de derramar vontades e entrega e razões sem força alguma para vingar a inocência, o arroubo de ser-me. Caso seja demais este meu pedido, então, apenas abre a janela em sinal de sim. Pois mesmo que não desfiras passos que venham ao meu encontro, mesmo que não concordes com todo o passado entre estas linhas e minha solidão de agora, saberei através deste teu gesto que, tal como eu, enxergas esperança em algum lugar deste céu que nos abriga.
Sinceramente,
J.Mattos
Perguntas de Ontem XIII
Pousará distinta entre passados e dúvidas
Sentada prestará muita atenção em minhas mãos
em minha falta; a cor da tarde tenderá a cânticos
E quando nosso respirar for igual a mil voltas solares
Ela saberá que eu senti sua vinda, mais que sua falta
E que tudo que fiz nestes dias intermináveis
Fiz, pois sabia que ela estava prestes a chegar
J.M.N.
Pergunta de ontem: Quando vieres, como será?
quarta-feira, 21 de abril de 2010
De possibilidades se vive
Poderíamos ter passado tardes inteiras em cadeiras de balanço, sendo um do outro enquanto nosso passado rangia devagar, sem nos incomodar. Eu poderia ter te dado meu nome pra colocares no teu, o meu peito como extensão dos teus sonhos, o meu ouvido como fim das tuas feridas. Olho pros órfãos que esperam no Haiti, pros gemidos saídos dos destroços do Chile, pra nuvem negra sobre a Islândia e penso quantas vezes esse planeta ainda terá forças pra contornar o sol. Quantas voltas ainda serão necessárias até nos vermos algo além de uma utopia, de uma impossibilidade sistematicamente negada.
Se esse dia chegar prometo que não deixarei o assombro matutino com o negro dos teus cabelos sobre o branco redondo do teu ombro. Da varanda veremos as roseiras crescerem enquanto me contas as histórias do teu avô, e me dizes como o meu calor parece com o calor dele. Eu seria a tua redenção, tu serias a minha purificação. Teríamos um pelo outro um desvelo tão abnegado que não haveria manhãs sem o cheiro do teu café, sem o cheiro de terra nas minhas botas. Cuidarás do meu frio e do oxigênio que me faltar à noite. Serei o teu sono, nas noites que ele não vier. Quando estiver longe, a distância será emprenhada de passagens da Adélia e do Pessoa, lidas num telefone de não caber de saudade. Cumpriremos as promessas que não fizemos quando, com o rio às minhas costas, vi o quanto precisavas da minha presença e quanto ficavas linda com a margem reluzindo nos teus olhos. Direi assim: que tenho fome de ti, e que falta fazes nos lugares onde não estás.WDC
terça-feira, 20 de abril de 2010
Para as meninas que amamos 3
Em lugar nenhum
O que não ouso em presença alguma
segunda-feira, 19 de abril de 2010
As dúvidas de uma tarde muito azul
É um tempo calado, sentado, encostado num canto da sala
Esse meu tempo de agora é como uma eternidade para dentro
Expande-se, intercala, assopra e não faz som algum
E eu que já andei pelos quatro cantos atrás de raridades, pergunto:
- É certa essa solidão da tranqüilidade?
J.M.N.
Metade do que sinto
De vez em quando sou simples. Escrevo coisas adoráveis sobre pessoas e perdões que nem foram meus. Tem dias de eu nascer novamente. Enfrentando os outros com se tudo fosse novo em folha. Desusado, para inventar. Acontece, também, de haver mil desejos que rosnam. Mil feras que não se libertam, mas existem. E tudo fica no peito. Um som constante. Ritmo de evitar matar e morrer por um beijo ou por um simples olhar de adeus. Às vezes acontece de eu esquecer quem sou. E nesse pântano de achados e perdidos encontro risos, benevolências e muita paciência perdida. Nesta hora sou dado a benesses. Fico de bem com todo mundo. Expande-se a serventia de meus abraços e fico meio acolhedor. Em outros dias, como hoje, simplesmente existe o rasgo. Uma fenda. Meu grito partido em dois, atirando em pólos cruzados minha vergonha e minhas vontades mais abissais. Num canto minha história esquecida e pouco sã. No outro, grifos e melancolias como que trituram a bondade que gostaria estivesse em mim. É como âncora procurando calço e quando se vê o navio está à deriva, mesmo com a intenção mantida. Mesmo com as providências tomadas. Hoje, e apenas hoje preciso como nunca do teu abraço. Que não me dá alento nem esperança. Que não esclarece mais do que confunde. Hoje eu queria o rumo incerto dos teus beijos. A perdição de teus pedidos. A mania de tuas escolhas. Apenas para olhar o sol de frente. Apenas para enfrentar estes leopardos. Hoje que tudo ao me tocar rasga e desembesta, queria saber ao menos onde despejar meus sentidos e minha carcaça, pois metade do que sinto já é um amor inteiro. J.M.N.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Eu posso atender todas as tuas vontades, menos esta
Para ler escutando...
Em nome de quem?
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Perguntas de Ontem XII
Então, isso é tudo? Era isso que, como uma viga desesperada, sustentava o teu silêncio? Era essa a serpente que sufocava o teu riso? Eram essas as verdades que a tua ironia guardava? Mudastes, meu amor. Um dia me pedistes as promessas que todos os homens fazem, essas de que largaria tudo, inclusive a si próprio, só pra te amar. Que minha vida andava em ruínas até que chegastes. Essas coisas. Preferi viver um dia por vez. Era a verdade que efetivamente eu possuía. Agora vens com todas as tuas vísceras esperando que eu me enforque com o teu dentro. Agora vens sequestrando a minha tarde e pedindo o meu perdão como resgate. Ora não me venha com essa falta de chão, com esses queixumes antigos, que os relógios que me destes já começam a escorrer pela pia, junto com os quilos que ganhei e algumas esperanças olvidadas.WDC
Pergunta de Ontem: Com quantas verdades se destrói um amor?
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Cartas a ninguém (14.04 – 02:32h)
Sabe? Algumas vezes mentir é bom, especialmente quando calha de encobrir um grande rombo na gente. Dá uma sensação de costura na pele, de que o sangramento parou. Mas não é nada de fato. E tudo por causa de um barulho que não existiu. A mentira eterniza uns raríssimos segundos de vazio repleto. E só. Tô morrendo mais um pouco. Como quando meu canário fugiu anos atrás. Sempre desconfiei que minha mãe teve piedade dele e lhe contou a verdade de suas asas. Ele aceitou. Como eu aceitei a verdade de tanta entrega. Como nós que esperamos nossas asas secretas cederem a um céu azul ou a um grande penhasco à beira mar.
Agora apenas serve de estada, esta rua transida de rotas fugidas, de caminhos mortos. Fico olhando pela janela e quando encontro o primeiro raio do dia já é quase noite dentro de mim. Me comporto como houvesse hemisférios respondendo aos astros em meus lamentos. E tudo é colossal e tectônico, com abalos e vulcões destrutivos. Escrevo isso enquanto espero que aquele pequeno som aconteça de novo. Urgindo que o rodar da chave na fechadura me conte que és novamente parte desse meu império solitário, cujo destino apenas depende de tua vontade e de tua maciez dominical.
Recordo dos teus me fazendo festa e não pergunto jamais se já esqueceram. A porta descansa. Como descansam essas páginas não enviadas e tristes. Esses timbres de passado e amor que me soam infra-sônicos, alucinantes, dissolventes. Escrevo esta mensagem a quem interessar possa ou espera como eu: uma porta abrir madrugada adentro; um vulto ganhando forma e recolhendo toda a luz ao redor e as três palavras aguardadas com a urgência de uma vida inteira; a demência de um par de horizontes se encontrando em meu peito. Amor este que me encurtaria o sono, mas me deixaria na profundidade de um universo muito novo, em cujo parto saberia à beleza cósmica, tua presença.
E mesmo que nenhuma porta nunca mais se abra. Mesmo que nenhuma chave permita meu destino entrar pelo mesmo corredor de tantas idas e vindas, meu coração fecha os olhos por um momento e não questiona a intenção permanente de pular em ritmos impensáveis, caso aconteça de me assaltares uma noite dessas, gerando o som inconfundível do pertencimento,, de chaves abrindo rumos, abrindo meu peito, dizendo que daqui de dentro, não sairás jamais.
Sinceramente,
J.Mattos
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Enquanto as certezas não vêm
sábado, 10 de abril de 2010
A Estrela Negra
Os perfumes destilados em oficinas de terras antigas anunciam uma pérola tão bem guardada quanto um segredo de menina. Os odores forjam pegadas sentidas pelo olfato e pela história da paixão. Aproximei as duas narinas – a que cumpre sua função e a que esta lá para dar o equilíbrio – assoprei e surgiu um caminho invisível. Dois sois castanhos e uma supernova de onde saíam frases lânguidas e muitos desafios. Deitou a cabeça no meu peito, e então descobri o que a fazia tão especial. Uma estrela negra, vigiada por um colarinho zeloso, encravada numa parte do pescoço que a anatomia ainda não nomeou. Negra, pequena e alada, como os insetos minúsculos dados à umidade de boxes de banheiro, mas estrela, pois assentada em constelação láctea e sedosa ao toque dos dedos. Estrela sim, pois estava ali, sendo apenas, e fazendo-me sonhar que o negrume dessa minha noite eterna pode enredar apaziguamentos e doces aventuras.WDC
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Ao amargo que se anuncia
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Into My Arms (ou Eu não acredito em nada menos que a entrega)
Para ler escutando...
Como querer
Rocks and drágeas – as perguntas que nunca faria se fosse normal
ela apenas cria condições para que surja o sentido"
Fábio Hermann - A psique e o eu, HePsyché, 1999, p. 15.
Para as meninas que amamos 2
domingo, 4 de abril de 2010
Depois da Insanos 90’ – Relicário 03.04.2010
Ontem fui à festa da Se Rasgum, Insanos 90’. Pela terceira vez tive a mesma impressão – Tô ficando velho. Não por não aguentar até de manhã ou por ficar exausto depois de mexer o esqueleto por meia hora (o que é verdade, acrescente-se), mas por ter desenvolvido a certeza (primeiro indicador de velhice) de que quanto mais ouço coisas novas (2º sinal) mais volto a buscar os clássicos (3º sinal).
Não obstante a fantástica oportunidade de reencontrar amigos sensacionais e rever gente que não sabia se ainda andava por aqui, além de ex-amores e quetais, ir para esta festa, em especial, contou com um ingrediente extra. Duas presenças realmente significantes no mar de noites sozinhas destes meus últimos dez dias – minha irmã Ana Clara e nossa “amiga” (já defini Lala) Laise.
Risadas, comentários mordazes, encontros inusitados (ou nem tanto). Um tigre portando um inefável senso de autoridade e certeza de ser atrativo e mais outras cenas inviáveis a uma completa paz na diversão a três. De qualquer forma, a noite foi sensacional e gostaria de expressar isso, especialmente deixando um grande abraço ao Marcelo damaso, meu companheiro no show do Echo and The Bunnyman em São paulo, anos atrás; Érico Oliveira, nosso hoster na saga do Belle and sebastian em 2001 e o Rui Oliveira, padrinho de minhas primeiras incursões como DJ na saudosa Atenas Rock, em 1996.
E depois desse revival de noventas, nada mais justo que continuar na trilha da década áurea de todos esses que citei (com exceção do Rui que já andava pelas quebradas desde os 80), de muitas das minhas mais adoráveis lembranças. Década em que fui pai pela primeira vez e tantas outras cenas dignas de retrospectiva.
Portanto, de dentro do baú do rock noventista, quatro coisas importantes demais para se ficar sem conhecer:
The House of Love é um clássico das pistas de dança de Belém na década de 90. Esta música, em especial, sagrou uma noite sensacional, onde eu, Velton, Rui, Marcos Blu, Cesar e Leoni, lançamos o fanzine What’s That Sound, numa noite que culminou com um beijo merecido que deveria ter sido dado no Ricardo lago, mas que, por obra do destino presenteou outra pessoa.
Pavement fez a cabeça de muitos de nós naqueles anos. A melhor lembrança que tenho desta música é a reunião no Puta’s Bar, perto do terminal rodoviário onde presenciamos uma cena que viria a se tornar tema de conto do Cesar para o WTS.
Into the Blue do geneva foi um hit duradouro da Atenas, passando a compor o set list da Jimmy Night em 1997. Foi de longe a melhor (ou única?) coisa boa que esta banda fez.
Junto com Into the Blue, Sometimes do James fechava uma das melhores sequências já feitas naquelas pistas. Boas lembranças. Muito boas. J.M.N.
Estradeiro
Onde me leva a estrada?
Onde abandonado me encontro dentro dela?
Tem um segredo de desvendar as minhas rotas, esse corpo de estrada.
Acode quando mesmo me inspiro.
E não permite fugas, os desvios ou paradas desnecessárias.
A estrada leva sem olhar futuro.
Leva mais fundo, para dentro de mim. J.M.N.
Great Dictator (Charles Chaplin)
Tantas coisas há nesses anos de existência que conferem razão para muitos interesses pessoais e tornaram-se emblemas de meu reconhecimento como artífice da Kultur. Mas pouquíssimos são aqueles momentos, aqueles emblemas que me remetem à grandiosidade do pensamento humano aliados ou mediados em linguagem cultural divresa dos códigos acadêmicos e à disposição de quem quiser conhecer.
Sem dúvida, em minha história, o peso desta cena anexada ao post, tem um lugar dentre os mais altos postos dessa representatividade do gênio humano. Especialmente por se tratar de um conhecimento, de um produto mediado por figura importantíssima a mim – meu pai. Revendo esta cena inúmeras vezes ao longo da vida, sempre me emociono com a força destas palavras e com a atualidade deste discurso libertário e autêntico, me recedor de muita atenção e eliciador de paixões incontestes.
Com vocês Sir Charles Spencer Chaplin…
Confissão escapada
Pare antecipado nosso rebento
Tem húmus até para um cedro, o seu chão
É para mim, a fortaleza do caminho
Minhas mãos tocam esta estrada de dor e luz
E aquela, como ostra, ameaçada, se condói
Forja uma jóia, comprime o tempo
Preciosa tez com mil sentimentos
Tem vaga para abandono e
Silêncios colhidos para o perdão
Tem sujo e trapo e maldição,
Filigranas e alfenim
Desmonta minhas perguntas
O vivo de tocar nela reproduz
Sem calor ou culpa, desnuda reticências
E se coloca, novamente, dentro de mim.
J.M.N.
Pala ler escutando...
Isto
Paisagem íntima
Inveja competente
Ele não sabia o que causara. Não pressentiu que aquele abraço, visto de longe foi como um choque. Uma reentrada na atmosfera do planeta. Quente e perigoso como todas as vezes. Ele não separou um sorriso especial, não deu conta de todos os olhos que se admiravam da cena. Ele não usou seu humor ferino para sangrar aquela pessoa que se aproximara tanto. A poucos metros alguém interceptava seu brilho e invejava aquele gesto eloqüente e preciso que o fez tão grande quanto o sol. Quem o enxergava naquele momento podia sentir que ele não acreditava ser merecedor dos tais afetos, das tais palavras. De maneira infantil estava sendo admirado, mas sem a devida profundidade. Um tempo depois veio a confissão. A alegria por se ter visto fazer mais um escritor. Um admirável escritor. Nascido no coração das palavras de um homem sem membros de uma senhora de fala infinita, com irmãos multiplicáveis que lhe devem um sem fim de explicações, mas amam. Este homem que tanto faz jus à sua entidade é muito próximo de mim, cuja fortuita atividade de escrever encontra-se à sua disposição. Este homem a quem chamo de irmão, restaurou em mim, naquela noite, a liberdade de invejar sorrindo, desejando, antes de tudo, estar no mesmo mundo das criaturas mais colossais, como ele próprio. J.M.N.