quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Inquietação

Sobre a música Inquietação, José Mário Branco
(na cadência da interpretação de J.P Simões)


O que sei eu? É o que pergunto. E pergunto não a ti, não aos outros. Pergunto a mim, muitas vezes, repetidas vezes. Não há escolha sem arrependimento. Não há vida sem morte e, de certo, não há razão sem loucura. O que nos coube, sacrificou todas as prudências, todas as inércias e nos pôs em vias de colisão, largados como em banguelas a testar a velocidade sônica de nossa entrega, de nossas disponibilidades, com as carnes trêmulas a querer-se em potência insustentável. Com tantas guerras travadas é óbvio o desconforto da paz. São argumentos de silêncio, pó e iluminuras. Na cadência da fala, escondo o que mais tenho vontade de dizer. Meus mistérios multiplicados vão-se intrusos em outras estrofes, como leopardos sedentos. Espelho-me pequenino nas garatujas de uma criança. Na entranha destas sentenças corre ainda nossa textura, nossa infeliz tendência ao imaginário sobreposto, às coisas extravagantes do desejo. Corre em mim – e agora só posso falar por mim – a estrada fulgurante das conquistas e o contragosto das cenas banais de domingo. Óleo e vício e entrelinhas – estes são os elementos que me procriam, a saber. Meu credo agora é palavra para leigo, sarça de incompletude, é o que me falta embebido de romance, lírica e uma boa dose de inquietação. J.M.N