sexta-feira, 29 de abril de 2011

Esquecê-la

A cidade anda ocupada demais para me sentir. E esses passos que dou, são tão leves e sem direção que não há como as ruas daqui lembrarem por onde andei. Nesse momento, entre a leveza ou ausência de ser, acredito demais em nostalgias fabricadas e são estas que me lembram: ela jamais mudará seus caminhos.

O homem que eu soube ser em sua presença se esqueceu da identidade nas portas do céu. Não é um anjo ou um fugitivo, apenas alguém a quem os porteiros tiveram receio de deixar entrar. A cara suja, umas linhas flertando com a morte, esse sujeito que avisto de longe e me grita as lembranças dela, me diz também que será difícil esquecê-la.

Olho em sua direção, o homem recusado no paraíso. Talvez fosse eu em idade de fome ou forjado em guerreiro, bem antes das tatuagens. Eras e eras antes da ceia de amor.

Mas ela não se encaixa no corpo que conheci igualmente. Ela já está noutra parte, estrela perdida. Estátua esculpida nos braços da noite. Nesse momento de arte, em que ambos são contrários a si, a cidade percebe e tudo cheira ao que foram (fomos?).

Esquecê-la, somehow. Vejo-a ir morar com os astros, fora do que eu esperava que continuasse sendo. Eu, por minha vez, importando novas tecnologias de sobreviver entre os normais, pressinto: esquecê-la para quê, se já não somos os mesmos que dissemos adeus? J.M.N.

Trilha sonora… e amagnífica letra

Aquela estação

O marco do sonho era o encontro. Num mesmo dia todas as coisas se cruzariam, fariam sentido, seriam perpétuas – os dois, uma só vida.

A chuva passou de manhãzinha enquanto no ônibus ele pensava no que iria dizer. Sabia que as ruas e as histórias daquela cidade seriam fortes, porém ainda não tinha certeza de que seriam suficientes para fazê-la ficar. Apostou na vivência. Apostou nos sentidos dela.

Ela chegou com horas de atraso e o choro represado daqueles meses eclodiu vermelho e possesso como se fosse, sozinho, uma entidade, um corpo celeste, quiçá. Jamais acabava o rugir de tambores distantes vindo das tribos secretas deles dois.

Os meses passaram, chegara a hora de ela retornar. Ele, dali uns meses, iria também. Foi deixa-la no aeroporto. Choraram o mesmo tanto do encontro. Agora havia um limite cruzado sem que eles soubessem. Essas coisas que apenas animas e terapeutas pressentem.

O avesso de tudo o que se pensou ou disse pulsando rítmico entre as escamas da pele, até que, enfim, traduz-se em medos, desistências e outros senões.

Aquela seria a estação intermediária entre a partida dela e seu retorno para cumprir seus últimos compromissos naquelas terras. Ela partiu. Ele ainda sente como se estivesse parado na mesma estação, porém agora, à sua espera. J.M.N.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um ideal para hoje!

Texto integralmente retirado do blog Arca XII,
de Emanuel Matos. Em 28.04.2011.

Quando olhamos para trás, vemos o quanto é verdade que a humanidade é extraordinariamente capaz de se reinventar e que esta estória de que “antigamente é que era bom” é, no mínimo, uma percepção equivocada de quem está vendo o seu tempo passar, inexorável, em direção a outro que, embora possa ter muito do passado e do presente, será totalmente novo.

Assim, cabe-nos saber colher o rumo da história, os sinais dos tempos e aprendermos a ver que é impossível que hoje seja pior do que ontem porque o tempo para se viver é hoje e este é o melhor de todos, isto é, o nosso tempo, o tempo que não será vivido por ninguém mais a não ser por nós mesmos.

De certo modo, quando se diz que estamos vivendo o fim da história, ou, que estamos nos estertore da espécie humana e que estamos indo em direção à barbárie, que chegamos ao fim da idéia de futuro, estamos, na verdade, sob a influência de uma forma de pensar que predomina no Ocidente desde o início da Idade Moderna e que se considera absoluta e definitiva.

Não se esperava que para além das conquistas modernas fosse possível o retorno de velhas perguntas e o aparecimento de novas demandas humanas, para as quais as luzes da modernidade não tivessem respostas.

Esplêndido! Basta que o homem que nasce com a modernidade acolha a idéia verdadeira de não ser Deus. - Poxa, diante de tantas conquistas que nos trouxe O Iluminismo e a Ciência, nem é tão grave assim. Só não conseguimos ser Deus e nem matá-LO como previram tantos, como também não fomos capazes de nos apoderarmos da árvore do conhecimento. Um pouco de humildade, talvez nos esteja faltando e nos fizesse bem.

Um Novo Humanismo não se dará sem uma recolocação dessas realidades em seus devidos lugares.

Religião e Ciência, Deus e o Homem, não são excludentes, mas, alto lá, também não permitem sínteses ideológicas porque os resultados destas aproximações sempre foram catastróficos para a História da Humanidade.

Estas duas coisas, Ciência e Religião, pertencem como nos lembra Stanley Gould, a Magistérios não Intervenientes e devem se respeitar reciprocamente. As sínteses verdadeiras serão, sempre, resultado da vida, de experiências antropológicas, portanto, humanamente individuais e coletivas. Jamais ideológicas e intelectuais.

O homem do humanismo que resultará da atual experiência da humanidade talvez seja o Homem-Deus porque o Deus deste homem é o Deus da Imanência que se encontra no coração de cada um de nós humanos, independentemente das culturas e dos credos que, sem negar a dimensão transcendente do Deus, inaugurará também uma Nova Transcendência e uma Nova Escatologia que é aquela de uma Sociedade mais justa, fraterna e unida em torno de uma única lei que é aquela de nos reconhecermos todos como irmãos, feitos para a fraternidade que parece ser, cada vez mais, o único caminho capaz de superar a “auto-propulsiva e enlouquecida circulação do capital”, (assim Slavoj Zizek resume Marx) que, por ser uma experiência histórica chegará, também, a sua exaustão.

- Uma sociedade fraterna, fundada na cultura da partilha. Este é um Ideal pelo qual vale a pena viver hoje.

Emanuel G. Matos

Histórias para depois do sono X

Posso ousar ou fingir competências. Escorrer entre seus dedos de tão entregue e desajeitado. Desmilinguir a bordo de um beijo. Posso ser desconexo, imperfeito para atacares com tuas palavras retas, quase sempre funcionais e precisas, quase nunca amorosas ou banais. Posso escutar os escaravelhos andando nos teus pensamentos e puni-los por te trazer dúvidas indevidas. Bani-los de andarem entre teus bons presságios, tuas cintilâncias. Posso caçar teus monstros e engarrafar teus vendavais. Restaurar tua casa, tua cerca viva, adicionando helicônias e crisântemos coloridos. Posso ir a Bengale pegar as tais raízes medicinais para tuas dores de barriga. Basta pedires. J.M.N.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O silêncio dela

"Ouve-me, ouve o meu silêncio.
O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa.
Capta essa outra coisa de que na verdade falo
porque eu mesma não posso."
(Clarice Lispector)

Ornato lírico o que não diz. O avesso de sua fala, seu silêncio encontra estampidos vez por outra na saudade. Teceu a boca de cena com dor de entrega e permanência. O palco seco, vazio sem luz, não frequentará enquanto lembrar o que foram seus últimos meses.

Entende-se completa por enquanto. Faz jus à condição de livre. Emancipada constará na estação das leis humanas. Sua aliança é com a verdade do que diz e sente. Viver é outra aventura que talvez não queira. Melhor que aquilo, apenas a virtude a ser mantida.

Enfrenta melhor seus fantasmas perto dos seus. Abre a boca com maior apreço a certas dúvidas. Venceu-se dos passos lentos e da amargura. Em frente segue. Diz que não há mais tempo de pensar no passado.

Acredita que o poderá chamar de amigo, comer na mesma mesa, fartar-se no banquete do convívio. Dispensa ensaiar a escolha feita. Executa.

De noite fecha os olhos ao que não lamenta. Pensa dentro do sono como se deixou passar para trás. Quando acontece uma lembrança aflita, seu silêncio engole.

Anda mais calada do que nunca. J.M.N.

O silêncio dele

"Nenhum trompete toca quando são tomadas
as decisões importantes de nossa vida.
O destino é anunciado silenciosamente."
(Agnes De Mille)

Usa-se mais como um organismo reativo. Pensa noutra estratosfera. Ainda erra em crer que a ilusão vale à pena. Ilude-se nos becos da memória e, portanto, a ilusão está contida. Conteve-se em si mesmo. Nunca contente. Move-se arfando até os confins do mundo, perdidamente.

Tem um berço químico agora. Distende-se nessa nova manjedoura terrena. Nenhum rei mago, nenhum presente. Esse seu deus de amianto e asfalto já se cumpriu na cruz. Só um homem esperando alento. Só um corpo anunciando a derrota. Sem pena de si. Cumprindo-se apenas.

Brinca bem mais com seus limites agora. Jamais enfrentará chama-la de esposa alheia. Por isso calou-se naquela tarde, explicando-lhe que a raiva era apenas uma consequência do tempo.

Não diz nada porque não deve. Não roga pragas, pois ela jamais as mereceu. Deseja sua própria felicidade mais que a dela e isso é terreno, humano mesmo.

De gota em gota, enche a distância com papel e letras. Com amor crescendo solto no vale do seu silêncio. J.M.N.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Os primeiros traços

Ainda descasco linhas
Atrevendo-me no rumor das palavras
Costurando à noite minhas troças
Feridas demais no firmamento

Termino notas e lamentos
A entregar os pontos sem dilema
Pois sem o amor final não me aproximo
Esquecido no branco, o artefato da pena

E proponho liberdades
Como juras que nem sequer soube fazer
Tornando visíveis as minhas verdades
Em notas, traços e sentimentos

Já é silêncio por sobre a folha
Meus olhos vêem, mas não se entregam
Fico à deriva, possuído por intermédios
Repetindo os mesmos traços
                      como se fossem os primeiros

J.M.N.

Excertos Terapêuticos XXVI

BRISA MARINHA

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres,
Ébrios de se entregar à espuma e aos céus
                                              [ imensos.

 

BRISE MARINE

La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les
                                             [ livres.
Fuir! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont
                                             [ ivres
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux!

 

Stéphane Mallarmé

Onde o corpo é apenas um corpo

Convém o teu sorriso não alumiar nada. Convém sim. Inclusive esse teu boa tarde sem um convite implícito. Esse teu rebolado sem endereço certo. Esse teu olhar sem fome ou desatinos. Convém essa falta de promessa, de planejamentos na boca da noite, de desafios para que eu descobrisse a nova tonalidade do teu cabelo ou o lugar da tua tatuagem. Esse quizz que eu adorava, porque sabia de antemão todas as respostas e onde eu era ao mesmo tempo o único competidor e o maior prêmio. Sei que não brigamos. Que pena. Teríamos mais uma reconciliação sem desculpas ou explicações, só a urgência de dois corpos que se despem das roupas e da luz da tarde, como se aquele fosse o último gesto dos tempos. Ainda te acho tão linda quanto no dia em que, por descuido, nos beijamos no meio do expediente, criando uma janela de sonhos na parede caiada das horas de trabalho. Não foram almas que elevaram num sentimento único e tão nobre que o sol desabrochou num sorriso. Não foi isso. Também não foram duas histórias que enlaçaram e confundiram a ponto de não saberem o fim de um e começo do outro. Nada disso. Fomos humanos, deveras. Fomos saliva azeitando pescoços e nucas. Fomos suores como regalo de tantas fugas, de tanto fogo. Fomos mãos que se esgueiraram por debaixo de saias quando ninguém tava vendo. Fomos o ocaso de nós mesmos. Depois disso, não há mais palavras nem luz. Depois disso, só essa indiferença entorpecedora de quem chegou aos píncaros da própria paixão. WDC

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sem pudor e sem pecado III

Eu vejo os corpos jorrando, acontecidos, dentro da noite explodindo. Açoitados pelos tempos de espera. Espetáculo mudo de acontecer apenas aos que deixaram procriar infâncias nos dias de hoje, ilusões escolhidas mesmo quando todos perderam a fé nesses artifícios.

Eu sinto as mãos procurando, veludo, vulvas, impressões digitais. Para que a identidade não tenha nada a ver com o que se diz para todos, mas antes, saia dos segredos finíssimos que desenjaulam-se da espera, da culpa. Ordinárias e exequíveis como qualquer plano de furto, como qualquer diálogo barato.

Eu organizo a despedida. Fecho as janelas. Tiro a mesa do jantar. Mas não irei à sacada te ver partir. Eu me recuso a decretar finais, mitigar o que virá – a distância. Eu vejo os céus ebulindo, contestados por nossa paixão profana. Os contrastes nascendo feitos os raios da aurora. Nesse momento, finalmente, fecharei os olhos sem jamais pedirei perdão, dizendo abaixo do inteligível que tudo deve acontecer novamente. J.M.N.

Uma trilha sonora lembrada…

Desinência

Quando ia dormir apenas eu sabia que querias o lençol do avesso, com as rugas e as bolinhas de linha formadas pelas lavagens, distantes da tua pele, para que não houvesse arranhões no finíssimo sono que trazes desde a infância.

Eu trazia a chuva para os teus ouvidos, cantando antiquíssimas canções de embalo que aprendi com minha ama e ela com sua mãe e com minha avó, sempre zelosa em não deixar nosso sono sozinho, preenchendo de cantos à escuridão por dentro das pálpebras.

Era libertador sair do teu lado e ver que estavas tranquila. Uma vez que tinha a certeza de que dormias, o mundo me pesava menos e ia sorrindo dizendo a mim mesmo que eras feliz com estes pequenos enredos que faziam começar e, principalmente, acabar nossos dias.

E por tempos vivemos assim, começando e acabando o dia um do outro. Fomos feitos para isso. Veio a idade e tínhamos que comparecer aos almoços, aos domingos em família, às promoções do supermercado, ao bolo para a reunião com os amigos. De repente não sabia mais te colocar para dormir.

E sempre esperava que cobrasses o avesso do lençol, numa infantil provocação noturna. Começamos a chamar nossa casa de “lá”, e com apenas esse gesto de língua corrente matamos a substância que nela nasceu e vicejou linda durante anos.

Apesar disso, hoje, daqui desta distância impressionante que me permiti com esta jornada, queria que soubesses, mantive o chiste de virar meu próprio lençol do avesso, de não querer unhas em meu descanso e assopro-lhe um vento chuvoso para que lembres: jamais seremos os mesmos. A noite que corra para saber como deve terminar. Eu sei que minha trilha acabou naquele dia de março. J.M.N.

Cordelzinho de anunciar impossíveis

Senhores donos da casa
peço licença para furtar-lhes
a atenção
Escrevo saudades imensas
vindas das profundezas
verdes
da floresta da ilusão

Não fosse o véu da noite
abrir-me a forria da voz
seria eu mesmo um só
prisioneiro
do amor que me divide e
cobra
uma vida de aventureiro

Mas agora eu tomo tento
seguro os ouros no saco
amarro meu burro inquieto
bem na frente da casa
Vivo só para ela
cozinho e faço verso
amor é o que eu trago
no abraço

Na pena, apenas história
de quando eu não tinha teto
de quando eu andava
desgarrado

Cantídio

Valsa do fim da noite

Tantas vezes eu parti que já não vejo como voltar
Não sei se é preciso dizer o quanto fui teu
e nessa entrega o quanto fomos muitos, múltiplos
Inquietos por saber se seríamos um todo,
mais que a maior parte dos amores que admirávamos
Tantas vezes eu descumpri os tratos que sei
não mereço a confiança esculpida à mão
Porém aquela tua lembrança de me dizer eu te amo
é ânimo para os confins dessa minha solidão sem fim
agora e sempre anunciando que não foi em vão
Escuta esses passos que vêm cadentes
A multidão que os acompanha é Deus andando
Mãos dadas às pessoas comuns
O amor é santificado por essa marcha
E por nada mais
E no fundo, junto com a esperança
Que os caminhantes emanam, vem essa música
que me diz não haver coisa mais profunda
do que o reencontro no fim do caminho,
posto que mais do que a própria morte
é a saudade que pode matar nós dois.

J.M.N.

Trilha sonora possível…

Resgate

Ela acertou o exato momento, o derradeiro tempo de cair minhas lágrimas caminhantes. A cidade estava às voltas com o resto da chuva e os córregos das baixadas infestados de amores apátridas, choravam seu choro convulso, desesperança em água, nada mais triste. Eu rodava e rodava esperando. Tentando anunciar que meus caminhos eram certos, porém vi passar namorados, agarrados à certeza mais simples de que há uma vida inteira dentro dos abraços comprimidos que se dão. E ela acertou em cheio esse minuto. Esse preciso tempo em que jazia triste dentro de mim. Apenas dirigindo pela cidade, esperando encontrar um lugar para estacionar e sangrar minhas lágrimas. E que este lugar não fosse a minha casa, não fosse casa alguma, fosse apenas um lugar. Onde eu pudesse me despedir das ilusões em paz. Mas ela acertou este momento e precisou de tão poucas palavras para botar-me dentro de um sonho. Já não era sem tempo, pensei. Um salvamento a mais, ela nem sabe o quanto. E ela me disse tantas coisas bonitas e tantos gestos imensos couberam dentro daquelas poucas palavras dela que eu calado, apenas reconheci o gesto. Ela me salvou inteiro. Não redimiu que nisso já não acredito e penso que torna o que se foi muito pouco para a dor que ficou. Não, ela me salvou. Apenas isso. Me salvou no tempo certo. No momento em que eu aprendia a dominar meus sentidos e desfazer das coisas que estavam cá dentro. Suas palavras como um tampão para meu tacho de sentimentos. Fazia tanto tempo que eu não era amado daquele jeito. E hoje amanheci gigante, gritando janelas e portas, antes de frestas. Colorindo os passos em vez de papéis sozinhos. Fico grato que aquelas palavras tenham sido ditas. Ficarei para sempre imenso por elas terem sido ditas por você. J.M.N.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Palavras de ontem indica…

Um Documentário:

lingua, vidas em português

Língua, Vidas em português

Ela que liga cristãos e muçulmanos, ela que irmana Martinho da Vila e Madredeus e que abraça Mia Couto e Saramago. A Língua portuguesa é a protagonista desse documentário de Victor Lopes. Por entre a malha tecida entre Brasil, Portugal, Índia, Moçambique e Japão divisamos com espanto o Português entrincheirado nas escolas; o português se reinventando na pobreza brasileira, o português resgatando sua nobreza na palavra de Saramago, Mia Couto e João Ubaldo Ribeiro; o português que chora de saudade na música do Madredeus, mas que tem motivos de se alegrar no samba de Martinho da Vila. Além desses ilustres, o documentário mostra o português na vida e na alma de anônimos nos quatro continentes onde está presente. Depois de assisti-lo a solidão parece que de diminui ao sabermo-nos herdeiros de uma tradição tão bela.

Um Filme:

Poster_Em um Mundo Melhor (3)

Em um mundo melhor (Hævnen, 2010)

O vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano retrata os impasses éticos vividos pelo médico sem fronteiras Anton. Ele trabalha num campo de refugiados em algum país miserável na África. Lá opera mulheres mutiladas em uma brincadeira perversa do chefão de um dos bandos em guerra. Ao mesmo tempo, na Dinamarca, seu filho Elias sofre com o Bully e, sob a influência do novo amigo Christian (um garoto absurdamente competente chamado William Jøhnk Nielsen), começa a tramar planos de vingança. Em um mundo melhor as pequenas violências seriam evitadas, pois são as sementes das grandes guerras. Mas a diretora Susanne Bier dispensa as lições de paz e de políticas corretas, resolvendo mostrar as dificuldades de se viver essa utopia num mundo que pede que os vencedores sejam assim reconhecidos pelos vencidos. Há de se pensar em Clarice Lispector: “É preciso não esquecer e respeitar a violência que temos. As pequenas violências salvam-nos das grandes.”

Um álbum:

folder

Violins – O direito de ser nada

Violins vem de Goiânia e desde 2001 vem trazendo uma lufada de ar puro ao rock brasileiro, tão dependente do passado e tão cego para o futuro. As melodia desse O Direito de ser nada são arrebatadoras, diversificadas, pulsantes e sobretudo bem executadas. As letras mostram uma eloquência sem exageros – outro fator raro no atual rock brasileiro tão preso ao imediatismo e à necessidade de parecer fácil, extremamente fácil. O melhor de tudo é que a banda sempre disponibiliza os álbuns por algum tempo em seu site oficial. Nesse momento dá pra baixar, sem culpas, O direito de ser nada em: http://www.violins.com.br/

Um livro:

tempo e o cao

O tempo e o cão: a atualidade das depressões – Maria Rita Khel

A psicanalista que já foi colunista de Veja, já foi demitida do Estadão depois de afirmar seu posicionamento político nas últimas eleições e que ganhou o prêmio Jabuti por este O Mundo e Cão, faz mais uma vez uma análise sagaz e ampla de um tema caro à teoria criada por Freud. Desta vez, o objeto de seu estudo é a depressão, tema sobre o qual Freud nunca se referiu, mas que guarda semelhanças teóricas inquestionáveis com o conceito de melancolia. Khel faz uma rápido e ilustrativo trajeto pela história da melancolia, detendo-se sobretudo no estudo que Walter Benjamim faz da obra de Charles Baudelaire. Resgate necessário para compreendermos sua tese: a de que a depressão é a atualização do mal estar do sujeito diante das demandas de uma cultura que pede incessantemente que nos inscrevamos na lógica do consumo, do espetáculo e da velocidade. Leitura obrigatória em tempos sombrios. WDC

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Micro-romance X

A morte veio e fez seu trabalho nos braços de Violeta.
Roubou a vida de seus abraços e ainda cometeu a indignidade de manter seu coração pulsando e seu corpo respondendo apenas à virada dos dias.
A morte levou seu Damião sem aviso – tiro de assalto na primeira ida à cidade grande.
Violeta que não aprendeu a sentir menos com o passar dos anos, decretara Damião, o amor de todas as suas vidas. E passou a esperar morrer junto dele, desde o primeiro beijo.
No susto da perda, gritou isso por quatro dias e perdeu-se dentro do som ensurdecedor de seus gritos de desespero.
Intensa e sozinha voltou, como na infância, a escutar algaravias, a ser visitada por antepassados.
Seus sonhos eram mais para este lado da vigília. Tanto que passou a ver pessoas que caçoavam do que ela perdera e assistia Damião, todas as noites, ir caminhando numa estrada escura para longe de si.
Violeta, espírita, acreditava em vidas sucessivas, em outro planos onde pisava ainda o mesmo chão de praia com o seu damião, porém não podia sentir-lhe o cheiro da pele ou o gosto da boca porque esses outros lugares que ela via não ganhavam matéria por sairem só dela em seus silêncios.
A morte, pois, Caxias em seu ofício, plantara outra eternidade sozinha na vida de agora de Violeta.
Talvez fosse a vontade dos séculos e dos deuses instalar esses impossíveis na vida da moça.
Ela, por sua vez, já andava cansada de o destino usar seus sopros nela daquele jeito. J.M.N.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Tudo que mais nos uniu separou

Sem alento a voz decola. É um grito. Uma revolta potentíssima desbravando a garganta e o mundo ao redor, impressionado se curva de medo. Minha força de dentro é a mesma das letras que, uma a uma, escalam-se dizendo as coisas entre vidas e amores e desilusões. O ar prepara seus truques, teus suspiros que, madrugada alta, chegam até mim como dúvidas. Fazes o certo? Saberás num instante. Jamais calarei o que começo a parir gritando agora. Resistir ao que se nos destruiria, não fosse o riso ou a distância entre os anos e nossos erros, é a verdadeira dedicação à vida. Farás contato com tranquilidade vinda dos olhos dos teus, que dirão estás enquadrada, tudo em seu devido lugar. Posso morrer de cansaço ou fome, de luta ou fuga, mas viverei para contar essas histórias, disso estou certo. Da mesma forma que veio, partiu nossa cumplicidade. Eu já não me encaixava no plano, tu já não querias sentir medo. Se não te cuidares, o peito concorda com esta última nota de apelo: vive por ti, não pelo mundo que te exige medo dos passos. Se não for pedir demais, escuta mais uma vez esta canção de amor e paz; e não cale se acaso quiseres voltar e escutar as histórias do mundo em que vivo. J.M.N.

Trilha sonora, com o poema Cautela… A obra completa dessa pequena agonia…

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Culminância

Para o meu amigo Marcelo Costa,
náufrago resgatado das mesmas ilhas desertas.

Já vai amor, a porta já vai fechar, não tenha medo. Ninguém ouvia essas coisas, apenas eu, enquanto ia morrendo para o dia e crepitavam minhas visões semicondutoras do sono. Já tinha passado a gravidade do choque. A paz é logo agora, vida. Debruçava sobre a minha certeza e ficava pronto para o útero. Enrolado em mim, descendo em círculos para o sono sagrado dos que demais sentem o fator humano da culpa ou do amor. Ninguém ouvia o que ela me dizia em segredo e, no entanto era justamente o que me salvava. Nossa foto ninguém achará, não temos corpo um no outro. Era uma coisa solta que vinha doendo não sei de onde, mas uma dor que prenunciava a sanidade, a cura precípua do que herdou o bizarro dom da invenção do poema. Tudo o que me ancora, neste momento vem daquelas palavras ditas em sussurro nos meus ouvidos, por tantas vezes abandonados e acrescidos dos efeitos vultosos da minha loucura e veja: eu estou vivo! Sim amor, agora eu posso voltar para a distância, quando precisares me chama, venho correndo. Essas palavras que não perfazem mais do que um piscar de olhos, que não fortalecem mais do que meus ossos cansados e que, irreconhecíveis a tantos, vêm louvar minha solidão e minha estrutura e me fazem crer que tenho mais tostões que capital; me fazem vencer meu choro, pois amor e carne em mesma proporção me oferecem. Descansa que já é hora, amor. Vou fazer isso, tenha certeza. E quando o inverno passar te espero no cume do mundo, pronto para enxergar o que alcançamos. J.M.N.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Por sobre os telhados

Te vejo sobre os telhados,
quando quiseres.

Andava pelo parque colhendo azaleias e dizia estar esperando Júpiter entrar em conjunção com sabe-se lá que estrela. Usava jeans e os cabelos soltos feito uma crina. Aquele ar de animal solto que me fazia desestabilizar na hora de contar minhas vantagens e me disse: isso que estamos prestes a fazer vai mudar o jeito de ser um do outro. Estava pronto para o que fosse. Ela repetiu o que me havia dito pela manhã, depois do café: a sorte que temos é impossível de se repetir. Seus cabelos agora desenhavam meus sentidos, os quais não faziam mais parte de mim. O mundo entrava por tantas frequências em meu corpo que eu apenas concedia mais açúcar e desejo aos meus membros. Juntos, corremos para encontrar os tesouros. E não tenho mais nada para contar senão isso. Este deslocado de imagens que a lembrança dela me provoca. Ela tinha razão. Tudo mudou em mim. Não tive tempo de perguntar a ela, se houvera a mudança. Com aquelas coisas simples que dizia eu me sentia acima de tudo e de todos. Amá-la foi como caminhar sobre os telhados da cidade e não ter jamais abrigo. Jamais cuidado. Libertador. J.M.N.

Trilha sonora… Neil Halstead….

Dentro da tarde

Hoje uma fome extra. Escadarias vencidas como quando eu cheguei naquela cidade para me encontrar e me perdi ainda mais. Uma chuva que não passa. Meu filho creditando a amplidão que ele sente à chuva que cai. A poesia vem de onde menos se espera, ainda bem. Hoje a vontade de ser exagera. Arde sempre junto dos meus santos secretos a tua imagem se afastando. Eu querendo, ao mesmo tempo, que ficasses e que morresses para nunca mais saber de ti. Hoje as alpercatas da infância iam bem. E corridas na praça, posto que nunca mais fazemos isso depois da primeira derrota amorosa. Não como alguém querendo melhorar a forma física, atrás de um exercício que te disseram fazer bem, não! Um pouco mais demente saído das presas do mal que não desfaz com o tempo. Correr na praça como um ser feliz e sem idade. Nada de documentos, nada de memória, apenas o sangue correndo. Apenas esse sabor de existência na boca. J.M.N.

Dove è Chiara? #3

Preparava um escrito para falar de saudade e me veio a tua saudade cancelando minhas intenções. Não de maneira bruta ou imposta, mas, por fim, sugando pra dentro de si a minha própria falta, meu próprio quarto deserto, meu membro amputado. Sim, essa saudade que sinto tem entidade, um corpo que corre de mim quando quero prendê-la. Por isso escrevo, para que ela, a saudade, leia o quanto me faz doer a distância, mas também me faz acontecer essas coisas que me aterram ao mundo que te contém e que, graças aos nossos antepassados, tenho o prazer de trazer inscrito em minha carne, nas curvas do nosso desenho, nossa marca de nascença para a era do pertencimento. Semelhantes e pungentes é o que somos. E os meus mundos descobertos? Não quero evoca-los. É tua vez de debulhar a vida das distâncias e do reconhecimento dos lugares a que pertences. É minha vez de estar te esperando para abraços, lágrimas e a felicidade do encontro – tuas histórias e descobertas, quero que sejam meu novo continente. J.M.N.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pequena elegia matinal

A você que já não me recomenda aos céus ou aos seus melhores amigos. Cuja estrutura de pensamento me detém irretocável dentro daquela imagem de traição e vergonha de anos antes. A você que me procura em silêncio por achar indigno querer saber de quem tanto trouxe dor e pesar para seus dias, apesar de ter dado tudo quanto meu, naqueles dias. A você que sabe dizer tão mal do que fomos, uma homenagem. Não um poema ou um memorial, apenas a certeza de que penso em você dia e noite. A certeza de que não paramos o mundo por qualquer coisa e que, ao nascer de cada novo dia, me apresso a presenciar aqueles primeiros raios, pensando neles como se fossem teus olhos me descobrindo pelas manhãs de nosso amor. J.M.N.

Para as meninas que amamos 5

Te perdoo mais uma vez. Sempre te perdoarei se souberes chegar a mim com estas notícias de imensidão e coragem, de aventura e especiarias novas, recolhidas nos confins do teu mundo apenas para mim. Mais uma vez te perdoarei, caso não possas justificar teus atos enquanto choro desumanamente por tuas brutalidades recentes, mesmo assim, te perdoarei. Enquanto escreves estes teus papeis rebuscados, tuas oficinas de poemas e deuses suburbanos. Enquanto roubas minhas expectativas de te conciliar com a realidade, te perdoo. Juntamente com esta parte de mim que se encontra atirada no mapa das tuas ilhas, à deriva por tantos anos. Te perdoo e perdoarei por tudo. Apenas a uma coisa não posso perdoar. Essa única convicção que tenho não a deixarei morrer ou se encantar por teus olhos potentes e por tuas mãos que filetam minha ao mais simples toque. Não te perdoo por não teres reconhecido em mim o teu horizonte. Não te perdoo por teres me tratado por finitude, quando o que eu mais queria era saber a infinitos desde nosso primeiro beijo. J.M.N.

Insurreição

Não houve morto e, no entanto, morto ele estava. Não houve idéia e, aparentemente, lá esteve uma intenção. Enquanto o esmo repercute no ato, o tempo segue abusivo e vidente. Lá no peito o coração pára. Corrente de forças sem dono. Apesar do respeito, desata e curva o olhar para o vão daquele momento. Ambos atados, os laços-afetos, bandalhos irmãos, um mesmo sangue correndo. Um morre, o outro executa. Um escapa e o outro também. Apesar dos vícios, dos miasmas – o corte terrível. O vivo atravessa o Pacífico. O morto resvala aos seus. Diante disso, simplesmente, desiste. O vivo espera sua própria sorte e nisso, vive. O morto morre mais vezes, mas agora caçando apenas a si mesmo. J.M.N.

À minha geração

A minha geração é um truque. Uma casta de desprovidos genéricos, de tudo e todos – sentimentos à parte em hecatombes de descrença e virtualidade desembestada. Minha geração não aprendeu o certo, porque dos erros fez rotina e cala-se às etapas duras da morte em vida, aprender natural de obviedades biológicas e satíricas. Herdou os cuidados da outra, encontrada em trincheiras, espremida nos rolos da história (ferida de carne, flor em poesia e arte e transcendência), torturada e acrescida de horrores gélidos, em porões esquecida. Minha geração ficou entre o cumprir-se poético e a realidade menos morta, ficou no rastro do Cálice, tendo tanto a chorar e a sofrer precipitadamente. Cabe sempre a pergunta, o que é falta, se tudo há, se tudo pode? E quando os reinos iniciarem seus declínios não haveremos de aceder como estadistas ou modernistas, pois o transitivo do verbo amar se apaga a cada armadilha auto infligida e executa o desejo, obrigando-o a voltar-se a si mesmo, encantado em espelhos, mas menos belo que Narciso. Minha geração produz a fome e a miséria de suas crianças e, avara, sustenta proselitismos e clientes vários, sob a certeza de se estar a caminho do belo, do mais forte. O que me ocorre é um desgaste, uma irritação por não ter os grilhões ou as armas e ter manhãs tão claras que as rosas proliferam como em sopros e as multidões desandam numa marcha única, mas sem fim, cujo começo é o estado do querer e o final, decerto, será escrito no vazio do olho, na vastidão das perguntas refeitas. Não há caminhos, porque não há destinos e nunca houve tamanha malversação da palavra esperança. Minha geração é a que desiste primeiro, porque primeiro a ela foi ofertada a possibilidade de desistir. O que nos falta hoje, que o passado já está nos livros e anais e verbetes? O que nos trai agora que nossa agonia é matéria de dramaturgia corriqueira e dela nutre-se num espasmo repetido e infindo? Minha geração é abastada em demasia. Fraqueada à nascença e foi deitar no berço esplendido que não lhe cabia. Talvez por ser bastante ingênua, talvez por não ter as pernas firmes quando parte em busca dos amores de perdição. E se real é a fonte deste grito, melhor que a mão o execute logo, pois como nos versos do poeta antigo, não havendo o ato ou dissimulando-se motivos, o coração perdoa. J.M.N

domingo, 3 de abril de 2011

U2 - uma crônica

Eu os quis mortos logo depois de terem lançado Achtung Baby, em 1991. Quis que aquele ano incrível acabasse que nem a letra de Even Better Than the Real Thing. Quis que as desgraças que cultivava à época fossem todas embaladas ao som de Running to Stand Still, com direito a uma única saída desse mundo, como na música. Desejei entre tantas coisas que aqueles caras que serviram de trilhos musicais para a geração do meu irmão mais velho, ficassem eternos entre meus amores de corredor, em minha vontade de ir embora do Brasil, em minha necessidade cada vez mais emergente de andar entre certos limites.

E olha só, isso aconteceu! E continuará acontecendo, porque depois do que vi e ouvi, cinquentões, Larry, Bono, Adam e The Edge, reinventam o espetáculo de rock, tornando-o, de fato, um evento global, com declarações de amor à paz, à liberdade e à vida (que me ha dado tanto).

Mais do que um espetáculo o show do U2 em Buenos Aires teve, para mim, um quê de renovação, de reencontro com utopias e desejos, de urgência em fazer desta passagem por cá, uma coisa que tenha valido à pena. Lembrei do Ferreira Gullar descrevendo Vinicius de Moraes como um cara que elevava a vida, que fazia dela uma elegia permanente ao amor, e completo: é assim que deve ser essa aventura errante. De preferência escutando Sunday Blood Sunday, Ultraviolet, One e tantas outras canções magníficas do quarteto de Dublin.

O estádio de La Plata, a setenta quilômetros de Buenos Aires, não foi suficiente para comportar o que estava à solta, naquela maravilhosa noite de 02 de abril de 2011 (data histórica, para mim). A cidade cercada desde sua entrada, estava completamente imersa na atmosfera do concerto e eu a esperar um surto a qualquer momento, pois minhas cercas estavam abertas por quatro dias. Nada menos do que eu esperava aconteceu e veio com a força triplicada por estar ao lado do cara que me apresentou o U2 e fez força para que eu viesse com ele – meu grande amigo Joel Monteiro.

Tenho direito a ser piegas! Que não tem?

Quando Bono chamou uma pessoa da platéia e pediu ajuda para ler os primeiros versos de Gracias a la Vida, de Violeta Parra, compositora Argentina que nos brindou com tantas música belas, tal como Volver a Los 17, declarou que aquela era uma das músicas preferidas do grupo.

Encenações à parte, ver 40.000 pessoas caladas escutando os versos... Gracias a la vida que me ha dado tanto/ me ha dado la risa y me ha dado el llanto/ así yo distingo dicha de quebranto los dos materiales que forman mi canto/ y el canto de ustedes que es el mismo canto/ y el canto de todos que es mi propio canto, não passou em branco por meus olhos e, quanto cantaram Where The Streets Have No Name, nome do meu primeiro conto pueril, pensei que, afinal, estava ali para chorar e cantar, pensar naqueles que me faltam tanto e naqueles que estão ao meu lado.

Tive a convicção de que o espetáculo do U2 é uma declaração de amor à vida e pronto!

Fui ao show do U2 esperando sentir ao extremo e senti. Fui ao show esperando me lembrar de quem eu fui e de quem quero ser. Pensar nos sonhos e cantar. Fui ao show querendo assistir a um ótimo show de rock e o que vi foi uma vida passando diante de meus olhos – a minha. Fui ao show porque achava que devia isso a mim, ao meu passado. E eu tinha razão. Com toda a liberdade sentida, finalizo...

"I have kissed honey lips
Felt the healing in her fingertips
It burned like a fire
This burning desire

I have spoke with the tongue of angels
I have held the hand of a devil
It was warm in the night
I was cold as a stone

But I still haven't found what I'm looking for."


J.Mattos

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cartas a ninguém (01.04.2011 – 21:13h)

Meu amor,

Insistias que eu deixasse um testemunho do que éramos. Impelido por estas ruas em que te procuro agora, tentarei deixar algo melhor que simplesmente idéias e dizeres sobre o que fomos, sobre como fomos, posto que é impossível a mim, por agora, deixar de pensar que somos, mesmo que numa dimensão imaginativa ou além do universo das coisas tangíveis.

Aconteces em mim de manhã à noite. Entre tantos compromissos com a civilidade e com a sanidade química da qual começo a ter ódio. Sei que existes, pois ocorres em todos os meus passos, encharcas todas as paredes que me detêm ou inspiram a vontade de sair. Possuído por esta história libertadora e intensa que te fiz escrever comigo.

Não, talvez não tenha sido assim. Enquanto andava por esses dias, pensei onde estiveste por esta cidade descoberta em teus sonhos. Advinda inteiramente de tua vontade por conhecer tuas cercanias. Estes bons ares que incitam a conversa com um passado que admiro e me inspira como o cheiro das fotografias que deixaste para trás.

Tudo aqui era para ser teu. Sem mais possibilidade de presentear-te ao chegar, te ofereço meus passos, a mínima história que desenhei nesse chão que desejei por ti, através de teus olhos aqui encantados e renascidos. Tudo aqui deveria sair de minhas horas, direto para os teus ouvidos. Quiçá, essas sonoridades de agora sejam nossas, e apenas nossas, de fato.

Gosto de pensar assim. Faz-me bem e, quem sabe, seja a única boa produção que minha metade anda a tratar por sua. Criação pouco original, porém inteiramente dedicada ao que deixaste em mim. Essa totalidade potentíssima e criadora, na qual inaugurei a minha humanidade e na qual compreendi que era demasiado instável para compor duetos ou filar intimidades permanentes.

A única coisa que não direi é o quanto me dói. O quanto fere esse continente entre nossos sonhos e abraços mais íntimos e sinceros. Não direi o quanto durou as dores de meus passos sozinhos nessas ruas que deveriam ter-me sido apresentadas por ti. Depois de tanto, depois de tudo que me coloriu as letras e a bondade para com meus pecados, posso dormir e esperar por amanhã.

Por fim, meu amor, quero que saibas que continuo comprando lembranças por onde ando. Coisas para ti. Coisas que sei, adorarias. Faço isso, por jamais encontrar fim para tudo o que me deste, para tudo quanto inauguraste em mim – teses, livros, saudades, amores infinitos, casa própria. Levo daqui um chaveiro com teu nome, para uma chave que não dormirá em sua argola, mas que, em mim, abrirá sempre essas imensidões onde se escuta o teu nome, onde tens tudo o que merecias que eu te desse.


Sinceramente,

J.Mattos

Eis o homem

Parada, imunda
Ávida por flores
a palavra
Diz cravos
aos meus pulsos,
inominável eu
Crucificado
Ela não advoga
Não perdoa
Come as leis,
uma a uma
A palavra suja
abre a boca
e me devora
Devolverá meu corpo,
semi-morto
De todo degradado,
punido
A palavra que ela grita,
me cala
Há um homem na cruz
compungido
Meu Deus!
Esse homem calado,
sou eu.

Buenos Aires, 01 de abril de 2011.

J.Mattos