quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Despertar-me

Para Rita

Hoje acordei com a nudez perfumada dela. Zanzava pelo quarto com seus pés de pluma. Chamou-me atenção aquele cheiro, aquela presença silenciosa e intensa dentro e em torno de mim. Eu que tive a primeira noite de sono completa desde muito tempo, acordei com a invasão daquele ser. Os móveis, os lençóis, a nova cor de nossas paredes – tudo vivo e cintilante. Resposta ao cinza que sempre tenho comigo. Ela ia e vinha por todos os lados. Fluida e acolhedora como feita pelos deuses de sua ilha. Era mais que o corpo e o cheiro. Era como se toda uma cidade estivesse sendo parida na minha manhã. Por dentro. Por todos os cantos – espaço e tempo desprevenidos, recebendo-a inteiramente. De tão viva e movimentada, com suas características infinitamente femininas e potentes. Revirou-me. Minhas veias, meus sistemas, minhas memórias e requisitos. Tudo posto nela. A seu serviço. Sem sono, desperto, com muitas coisas que fazer no dia de trabalho e mesmo assim, cinco minutos eternos sentindo-a num calor de manhã recém-nascida, cujo centro pulsante estava em meu peito, mas não me pertencia. Bombeava meu sangue e me aquecia deixando vestígios intensos e famintos. A presença dela. Toda sua anatomia e espírito dançando silentes em tarefas do despertar. Pentear o cabelo, espalhar o creme dos pés à cabeça, pintar-se, estar perfeita e me deixar esta ferida muito vermelha e funda que é amá-la. Sempre ela. A conclusão desta breve eternidade celebrada: não me tenho mais. Não preciso ter. Ela me acordou e elevou-me ao domo do mundo como se seus movimentos e tiques fossem uma sinfonia de antigamente que só é reproduzida por meu desejo. Só por estar ela me imensa. E eu sou dela sem nenhuma razão. Apenas sou. J.M.N.