quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A vida só tem um round baby

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Mais um texto de livro que deveria ter nascido anos atrás e não nasceu. Como as coisas andam agitadas nas gavetas do tempo, ultimamente, este, escapuliu.

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As perguntas estão molhadas de chuva. Assim eu as deito fora. Não guardo.
Bebi apenas uma, a mais doída – a pergunta de Adriana, por que és assim?
Bebi sem sentir gosto.
Talvez fosse a única água da estação. Única fonte de onde me tenha vindo algo mais que perguntas. Sim ainda sinto os mesmos medos.
Sofia parada no Ribatejo, como uma memória esgotada. Ainda me assalta a forte impressão de que eu devia ter dito sim. Não há hora certa para estas epifanias e, afinal, os sobressaltos, as bravatas, as tesouradas que sejam, a atacar os velhos presentes, as velhas fotografias. Esses rituais de adeus também levam um monte da gente.
Amoras silvestres no café da manhã. Lisa chorando o uruguaio perdido em Londres. Adquiri mil panelas em miniatura para amainar sua dor. Estávamos na cidade das casas de boneca. Junto ao mar e aos castelos de Northboroughs. Ninguém descobriria. Mas fui só um ombro. O amor estava em espanhol contemporâneo e meu latim adaptado não conseguia deixar de dizer, saudade, saudade infinita de você.
Claire acordando para o café. Ninguém deveria ter esse direito. Acordar mais bonita que os raios de sol, mais ampla que minha própria respiração.
Claire cheirava a tudo o que eu queria. Nomenclatura inventada: la clé de tous mes choix. Fosse mais dramática a forma como ela me estampava a beleza de uma civilização inteira em seu sorriso, era capaz de dizer-lhe, na mais dedicada psicanálise de libertação, ma naissance, ma mort peu.
Sem sombra de dúvidas a melhor maçã.
Degustada sob a choupana perdida de uma cidadezinha no interior da França. Tudo me dói quando não tenho. Mas Claire não me traz dor nenhuma. Basta ser um pensamento.
No trem, perto do mato, na esquina de uma mansão na Covilhã. Mais além, nas galés estacionadas dos navios descobridores do Porto. O cabo da Roca. As lembranças de Pessoa, chorando ardentemente o amor que supunha estar naquilo que lhe caia impregnante dos punhos, pela ponta da pena.
Nascido brasileiro, um africano na pensa, português de veia e ancestrais.
Meu nome, o nome de outro. Uma pronúncia que nunca deixarei de ter. Estava com ela. Ao pé da viajem sem volta de um amor que cruzou oceanos, durou séculos dentro dos anos e extirpou-me uma costela para ser o início de outro homem.
Um outro homem que ao pé da serra nevada, de nome Estrela suspirava a bravura de tê-la trazido e já imaginava como seria ter de dizer-lhe o fim. Por que, além de tudo o que se passara, os nomes imortais que agora tomavam chá das cinco nas lembranças. Aquelas mulheres que já estavam. Não mais que ela. Isso jamais. Porém presenças concretas de uma seiva e substância inegável. Acordes somente das serenatas silenciosas em que se montava a pergunta que ela fizera com tanta propriedade: por que és assim?
Seu nome não seria meu. Meu nome não seria de seu filho.
Polacas, inglesas, gaulesas, francesas, mouras, portuguesas, espanholas do centro ou granadinas impressionantes erravam em mil versos e quilates e afluíam das palavras novas que eu aprendera apenas durante o caminho. Não como pouquíssimas coisas que podiam ou não podiam ter tomado parte de minha vida. Mas como as criações febris que possuiriam para sempre um pouco do que era meu. Daquilo com que me formulou Deus ou quem quer que tenha sido.
Bati uns segundos. Levei uns murros. Abri as portas erradas e o roseiral da minha infância ainda me trinca tardes a espera do além.
Meu punho serviu tanto para bater, como para defender e instruir as linhas com a pouca salvação que aprendi. Nada há que eu possa falar de mais. Arrepender-me.
Por que és assim? Ela sempre quis saber. Acho que eu também.
Talvez seja uma condição digna de compêndios ou tratados de patologia corriqueira. Doencinhas de menor calibre que não cabem nos orçamentos governamentais para serem extintas de uma vez.
Quem sabe seja uma farsa, uma mistura dela e minha por um ângulo unicamente alcançado pela vida que tivemos juntos.
Bater e apanhar. Correr e viver.
Assim, sem compreender ou responder, por que és assim, prefiro seguir. Lembrando que houve outra pessoa que perguntou. Uma pergunta quem sabe pior. E a resposta foi assim com a mesma importância com a qual nasce um romance ou se conhece a primeira cicatriz no corpo da amada. Quero tudo quanto me queira. A vida só tem um round baby. J.M.N.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Minha fêmea

Delegou-me a terra. Esse pó que muito junto me serve de piso e me suja à mesma medida que faz avançar. Ando para frente e o pó do meu piso, dado por minha fêmea, adere-se às pálpebras dos meus dias. E entre ciscos e riscos do caminho e da entrega, cujo corpo poeirento me acorre em chão agora e sempre, faço um pedido. O silencioso pedido de não ir e não voar como a mesma matéria fina que se atraca à roupa. Não quero que ela vá. Soprada pelo vento não quero que ela viaje. Cuspida em gotas de chuva não quero que ela se estrague ou se transforme em estiagem para que eu nunca mais a possa decantar e encontrar meu passo a passo. O lado a lado da história. Minha fêmea que me deu um medo estúpido de ser só. Por ser o que eu quero o tão querer dessas palavras. Ela me disse em silêncio que recuperaria a escritura das terras, a quilometragem do meu passado a rodagem marcada no meu compasso interno e, se fosse possível, adornaria com uma vela colorida um possível barco, para que eu – homem – que sem ela declarei não querer viver, mesmo assim, continuasse. Mas não perpétuo. Decerto não alguém sem endereço. E na última carta que me mandou a fêmea que eu rebatizei de costas para tê-la sempre comigo, meu dorso. Ela que escreve com letrinhas mínimas de quem bem sabe o que dizer com amor e senso, endereçou-me o coração e uns bons ventos – dizendo assim, algo que eu nunca mais vou esquecer: moras em mim quando parto e desde que me pariram. És pra mim destino e ato e, por isso, eu te preciso. Espero chegar de noite em sua presença. Seco. Ou molhado, denunciando que recebi a sua carta e que seu nome é parte de minha anatomia. Chamando-a, a partir de agora, eu chamo sempre a mim mesmo. J.M.N.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sem chances de voltar

Se parti foi para estar mais comigo. E ver o Oceano que me primeiro me banhou por seu revés. A porta de trás daquele momento em que eu não resistia a mim mesmo e, soluçando de amor e condescendência, me perdia dentro dos meus senões, perdia-me. Por lá a voz em cordas doidas se soltou. Cantiga de sangue e roda. Várias voltas em meu coração de soldado e saudade. Preso sem ferro, mas no linho com cetim da memória. A pequena que pisava nos meus astros e naqueles dias queria mais o Mediterrâneo, era perpétua, depois eu soube. Mas quando vi o negro da noite aberta. Infestado pelas luzes da descoberta e o poema – teso e preso a Pessoa e Herculano – chorando valsas tristes que me redimiam. Saltei. Saltei com os braços do Cristo. Crucificado à vida, como qualquer ser mortal. E de lá, daquele abismo espantoso do meu sonho e do que passei a poder, continuo caindo. Caindo sem ter nada que segurar. Em pleno voo é que escarneço meu desespero e afago meus medos, sem ter chances de voltar. J.M.N.