terça-feira, 28 de maio de 2013

Sarau Palavra Nuvem

Caros leitores e leitoras,

Amanhã 29.05 (quarta-feira), inaugurando a temporada de eventos mensais, os Blogs Palavras de Ontem e de Sete Meses receberão o escritor Caco Ishak no espaço Benedito Nunes na livraria Saraiva do Shopping Boulevard. O evento inicia às 19h. Compareçam e divulguem.

J.Mattos

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sobre o chão que não pisei

“Vine a Comala porque me dijeron que acá vivía mi padre,
un tal Pedro Páramo. Mi madre me lo dijo.
Y yo le prometí que vendría a verlo en cuanto ella muriera.
Le apreté sus manos en señal de que lo haría,
[…] no pude hacer otra cosa sino decirle que así lo haría,
y de tanto decírselo se lo seguí diciendo aun después de que a mis manos
les costó trabajo zafarse de sus manos muertas.”

Pedro Páramo – Juan Rulfo

Eu bem que podia ser o que diz vim aqui, pois queria conhecer meu pai. E estar na presença deste homem. Que me feriu e ainda fere. Que me trouxe consequências e recaiu sobre minhas paixões inúmeras vezes. Podia ler essa palavra curta e funda em qualquer parede cheia de apelidos revolucionários – e quem sabe tê-lo por companheiro, camarada, revolucionário. Seria, seu emprego, contra os desmandos, a violência, aquilo que escapou à sua geração e que chegou pesado sobre a minha, tardando as escolhas, macerando a coragem. Usaríamos os dois o mesmo apelido. À paisana poderia andar secreto entre os caminhos do meu filho, pesquisando suas amizades, antevendo os perigos depois de cada esquina. Mas escolhi deixa-lo fazendo a trilha, apaixonando-se pelo que encontrar no caminho. Na paisagem queria ver o pai estancado como que fotografado pela minha lembrança na melhor viagem que fiz em sua companhia. Paira no ar meu desejo sempre que penso no que não disse, na valentia que se engaveta. Vira uma espécie de dolo, ao que parece – querer me encontrar sem um guia. Alguma coisa não acontece. Minha barba por fazer, sugere o descuido que eu mereço exercer. Sem que a amizade seja uma obrigação. Sem que campainhas lhe soem preocupantes anunciando uma ou outra insuficiência minha. O nome veio e não o conheço por inteiro. Ainda falta ir e dizer o que ando deixando de lado. Por hora um gosto indeciso. Compaixão pelo que não me significa e que é necessário significar. Queria saber a hora de espairecer as ideias. Ser leve e comer devagar. Enquanto não posso, digo por ai que sou um escritor e que meu estilo não tem nada a ver com a tristeza. J.M.N.

O jogo acabou e faltou um pedaço

Foram vinte e três tentativas. Todas ocorridas durante a noite, período em que estávamos mais vulneráveis. Montávamos quebra-cabeças. Peças espalhadas pela mesa, um bom vinho, pertencimento. Às vezes uma música clássica. Acalmava. Tudo posto. Quando acabávamos de montar mais um era o que dizíamos. Assim foi. Mais ou menos dez anos. Um quadro de Tarsila, obras de Paul Cézzane, pictóricos de Da Vinci. Uma coleção de arte feita a quatro mãos. Sob as vontades da noite, as tonturas do vinho, a arrebentação da entrega. Haveria de não compreender a razão de ela não acreditar em mim. Mas depois parei de pensar. Não faz sentido. Estou aqui todas as noites, construindo, montando o espetáculo refinado de nossos polegares opositores. Tínhamos talento. Eu nunca tive dúvidas durante aqueles jogos. Talvez por isso ganhássemos sempre. A única vez em que duvidei foi por causa de um monte de peças de cor escura que não se encaixavam de jeito nenhum. Era um trabalho complicado formular as bordas daquele puzzle em especial. Fui tomado pela dúvida. Duvidei da beleza, do almanaque de nossos dias. Duvidei que fosse capaz de garantir-lhe segurança, mesmo naquilo em que ela vacilava. Te perdoo por não acreditar. E nada mais. Nesse único e triste trabalho, falhamos. Um cão comeu uma das peças. Só vimos depois. O papelão tufado e estragado em saliva. Disforme o pedaço que já faltava. Não tivemos coragem de tocá-lo. Os contornos escuros, a indecisão sobre a validade do artista que emprestou sua obra ao nosso brinquedo. Mas, sobretudo, aquele pedaço que faltava. Aquele espaço no meio da completude. Um vão na beleza deitada. Completamos o mosaico de mil e tantas peças e por causa de um furo, abandonei o que foi feito. Nem vi que a luz também cabia naquele espaço não ocupado. J.M.N.

Para ler escutando…

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Teoria Geral do Esquecimento

Esse é o título do último romance do autor angolano José Eduardo Agualusa. O livro retrata as reivenções necessárias nas vidas de uma cidade sendo devorada pela guerra – no caso, Luanda. Ludo, a protagonista, sobrevive no seu auto-exílio numa mansão no meio da guerra, emparedada e se alimentando da carne de pombos e os restos dos tempos de fartura. Se aquece em fogueiras de livros e móveis. Mantem a sanidade com a companhia do cachorro Fantasma, e escrevendo. Primeiro em papéis e, quando estes acabam, nas paredes da mansão. Agualusa pediu à poeta brasileira Christiana Nóva que se vestisse de Ludo e escreve alguns poemas pra servir de epígrafe de alguns capítulos. Nóvoa concebeu os poemas “Haikai” e “Exorcismo”. Este último reproduzo aqui, pra quem ainda não entendeu, entenda que a escrita não é hobbie, é bote, é abrigo e trincheira. wdc

lavro versos

curtos

como orações

 

palavras são legiões

de demônios

expulsos

 

cortos advérbios

pronomes

 

poupo os pulsos.