segunda-feira, 26 de abril de 2010

Inconfundível

Não era cheiro de corpo. Não era flor rara estirada no quarador sob o sol da tarde. Não era o estranhamento de nascer, o avesso do fim de um grande amor. Não era sequer a natureza mostrando segredos, entre cataclismos e hibernações. A visão não era mais que uma pessoa. Não andava mais rápido que eu. Não comia de tão diferente das outras que nem ela. Era uma certa figura etérea, manchada pelas cores da vida, com doses solitárias de tristeza e como se isso fosse possível, sintonizada na mesma freqüência de meus pedidos de salvação. Era como uma metade jamais esperada. A mentira de água matando a sede secular de minhas fronteiras. Ela não tinha cheiro de nada. Única habitante de minha fantasia. A trindade reconhecida em um salto evolutivo de meus piores segredos, de minhas mais roucas agonias. Ela surgiu num tempo desfigurado e beligerante. Onde tudo andava solto e sem família. Veio doida a roubar minhas noites. Veio puta a vender demasias. A cegueira chegou e agora conto meu tempo nos feixes da escuridão que me acalanta, no veio do rio por que trafega meu recomeço. E minha forma humana ainda resiste, apenas para dar-lhe a certeza de que ainda serei o mesmo quando ela abrir aquela porta. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que texto forte e sensual.

Bjs,

Lilian