terça-feira, 22 de abril de 2008

Reencontros

Enquanto as crianças corriam no meio fio, suas últimas esperanças estilhaçavam-se nas lembranças dos anos que nunca foram compartilhados. O calor, muito mais que a ternura de sua cria gargalhando e exalando vida aos tropeções perto dos carros, fizeram-na refém dos presságios de agonia, de perigo à vista.

Uma hora da tarde. Os mequetrefes do bar Saturno convidando as meninas para a noite, estavam. Seus vizinhos alojados na mesmice do fim da rua. Poças de lama das chuvas do ano anterior. Água parada em memória do frescor das tardes de inverno. Naquela altura, o colo jorrava as escretas de saudade, talvez de abandono.

De repente viu os olhos verdes clareando mais ainda a luz solar e teve certeza de que havia sido capturada na teia da memória. Sua respiração alcançou o ritmo da chaminé fumegante do trem das cinco. Coube-lhe um tom azulado no sentimento bruto que eclodiu como um parasita nefasto e adomercido em suas entranhas.

Olhou-o diretamente e sem medo. Como por mágica secou-se o suor de seu corpo. Tal a gravidade de sua tontura, as vigas das casas em redor moveram-se aparentando um entendimento secreto com sua euforia. E quando aconteceu de ela sentir o perfume dele, houve um silêncio alucinógeno que a deslocou do centro de sua existência e varreu suas lembranças recentes acomodando em pantufas de rei, aquele olor fascinante.

Foi quando teve certeza de que estava novamente perdida. Como nos anos antes em que nenhuma grade segurou seus ímpetos e desvarios para as fugas a dois. Sentiu-se presa da única pessoa que a deixara pra trás e num repente de raiva ilhada, desferiu um único sopapo no rosto do transeunte.

O som da sua força colidiu com um rosto macilento e verdugo, cujas proporções desafiariam até os mais corajosos. Ele, implodido pela fúria da mulher que lhe surgira do nada, vacilou um segundo em relação aos sentidos. Com a quentura ainda instalada na face, partiu para o oponente audacioso de punhos cerrados.

Ao encontrar o rosto esguiu e raivoso, ele simplesmente desejou morrer. Como fulminado pela certeza de que desapreceria da face da terra, encolheu os ombros e sorriu quase sem saber porque. Disse algo incompreensível e finalmente pediu-lhe perdão. Ela acatou e deu o indulto. Sentou-se novamente na calçada e disse-lhe quase sem pensar, sente-se tenho muita coisa para te contar, mas antes, tenho que perguntar se gostas dos nomes deles, pois, afinal, escolhi sozinha.

As atenções, finalmente, chegaram às crianças e suas coisas de brincar. J.M.N

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