quinta-feira, 3 de abril de 2008

Sobre ratos, medos e lágrimas

Esteve preso tempo demais. Umas duas décadas segundo contam. Adquiriu uma doença misteriosa e morreu naquele fim de mundo. Quando o acharam ele tinha um sorriso no rosto e lágrimas que caiam sem parar. Nenhum perito conseguiu desfazer a risada final ou deter o choro alegre do morto. Debaixo de seu colchão encontraram mil cartas escritas para Florinda. Nunca enviou nenhuma. Quem era? Existia? Nunca se soube. Passou vinte anos contando para um ente suposto sobre sua vida na prisão, seus desencantos e relembrando um passado talvez em comum. A última linha trazia uma paz que custou muito para lhe tomar definitivamente, mas esteve com ele no fim. Muito além dos horrores que passou.

"Sabe Florinda, confesso que matei, mas não fui pior dos que nunca cometeram crime algum, afinal o mundo também é um claustro enorme e todos estão cumprindo suas penas. Não é mesmo? Coisa que nunca quis foi ter dito o que disse naquele dia. Perdoe-me. Por aqui os ratos transitam como nas ruas trafegam os automóveis. Muitos param para conversar sobre a vida e Rommel, o mais esperto deles tem um plano para sairmos juntos daqui. Talvez eu recuse. A cada dia entro mais e mais nos meus pensamentos e estou certo de que isso me salvará. Olha, está chovendo. O cheiro da chuva é forte nesta época do ano. Queria apenas um cacho de teu cabelo, deitar mais uma vez sob o carvalho da fazenda e morrer calmamente como naquele dia quando te disse o que não devia. Aqui já não posso ser nada". J.M.N

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