terça-feira, 8 de setembro de 2009

Submerso retorno

"Os segredos do submarino tinham tal força,
que passavam a se apagar até no íntimo de seu guardião."

João Gilberto Noll - Acenos e Afagos

Continuo aqui evocando os poetas mortos para resistir comigo a mais uma noite. Continuo procurando malabares para criar alegrias, quando a medida que tinha para saber-me existindo era teu sorriso ao chegar em casa. E nada nunca se apresenta fidedigno, nada se encaixa naqueles teus sorrisos de mundo relembrados. Ora estranho os lençóis enormes para meu pouco defunto, ora sangro porque as feridas ainda não prescreveram. É como um julgamento diário esta saudade. É como a rota dos emigrados arrependidos. Não há promessas, não há recursos para extradições. E fico lá, empatado no aflitivo oco da tua voz ausente, que me assalta nas gretas de minhas paredes, nos sulcos de minha escrivaninha, na cor das minhas letras. Fico aludido num choro que não anda, que não despenca e quanto mais condensa na garganta, mais me impede de atingir as escalas de liberdade das canções que mais gostavas de me ver cantando. Desejo drogas e paraísos para um novo esquecimento, mas a verdade é que jamais sairias, pois arraigada aos mais mortais sentimentos de filho, aos mais ridículos versos de amor, à burocracia republicana de meus porques. Estás ancorada na costa de meu país, a poucos quilômetros de minhas rotas de fuga e sei que intervirás caso eu tente partir, porque ainda não me disseste tudo o que tens para dizer. A noite enorme é minha aurora, e parece que me contaminaste com as tais dores que te faziam pensar apenas em ti mesma. Volto sempre aos desenhos que deixaste, às cartas de amor e ao lema que só nós sabemos o que desarma. Não consumo fé ou crenças. Ando esperando que minha fisiologia se ajuste e tenho sempre a impressão de que estás por perto, pois quase nunca escrevo sem que desconhecidos me comentem ou se ponham à disposição. Sinto-me num escafandro, a pensar borboletas, como naquele filme recente. Gracias pela bebida, a vodka desfaz a lucidez destrutiva e vou desfalecendo encontrar Pessoa, Camões e quem mais estiver disposto a recobrar meus sentidos, meu sentido. Sigo escrevendo estas suadas linhas. Dormentes linhas. Pedindo para que teu sono chegue sempre abundante e denso como um buraco negro, onde as ondas de choque que nos colocaram em pontos extremos do universo não resistam e tenhas manhãs cuidadas e cortinas contra o sol do meio-dia, as únicas coisas que teria para te oferecer agora. J.M.N


Escutava esta música ao escrever o texto...

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito intenso e revelador.Expressão perfeita para um amor vivido.Como diz Drumont...O amor antigo tem raízes fundas,feitas de sogrimento e beleza.



Hellem

José Mattos disse...

Ele também dizia...

De tudo fica um pouco
do meu medo
do teu asco
dos gritos gagos
da rosa fica um pouco

Obrigado pela visita.

J.Mattos