terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ela não tinha um codinome

Para a "Preá", que leu minhas primeiras linhas
no verão esquisito de 92.
Com carinho e amizade sempre.

Demorei bastante tempo para me refazer daquele susto. A conversa que começara risonha descambou para um silêncio esculpido em angústia, suores e tentativas de agrado. Mas já não éramos nós. De um lado o mundo descortinado em amor alheio, de outro a irremediável invasão de um mundo em dois. Então é isso, fomos até o fim, ela me disse. E eu de amigo passei a assassino. Queria cometer aquele ato, com dolo, de maneira hedionda, com a intranqüilidade de quem tem mais coisas a dizer diante de surpresas assim. É preciso um tipo de amor específico para cumprir a promessa de compreender as coisas que mais doem e sempre dispensar um sorriso quanto se morre por dentro. Assim era. Estivemos sempre num descompasso. Enquanto um queria o mundo, o outro queria a carne. E foi ela quem primeiro espreitou minhas linhas. Foi com ela que aprendi a intimidade, a confiança. Naquele início de década, as coisas eram mais rápidas e avassaladoras que agora e nunca parei para pensar em quais circunstâncias nos deixamos atirados aos corners, como combatentes num duelo por um prêmio que jamais viria. Ela não tinha sido chamada daquele jeito por ninguém antes de mim. Seu codinome era meu, unicamente. Era um nome de bicho, atualmente inutilizável, talvez em desacordo com suas tantas qualidades. Nunca lhe perguntei se pertenceu a outrem daquele jeito. Quando naquele dia, ela me disse que se entregara, em minha ingenuidade de adolescente rebelde, afirmei raivoso, que jamais haveria de sentir saudades e decidi escapar antes que houvesse razão para mágoas. Antes que meus golpes fossem desferidos com a fúria cega de quem ficou numa paragem no meio do caminho. Este momento nos distanciou para sempre e agora, com a idade chegando, sinto falta de ligar-lhe no meio da tarde como fazia, evocando o codinome antigo, dando a impressão de que podemos restituir o passado apenas por devolver à boca, tramas e nomes de que jamais esquecemos. J.M.N

Belém 14.09.2000

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