quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cartas a ninguém (23.02.2012 – 23:04 p.m.)

Querida,

Escrevo para dizer adeus.

Esse é meu mundo, não há porque mentir, esconder. Chega de deitar poeira embaixo do carpete da sala. Ninguém mais passa por ali, ademais. Tanto assim como nos quartos, na varanda. A casa que nunca existiu.

Fui eu a construir as paredes, afinal. Serei eu a destruí-las. Última vez que me refiro ao passado com tanta substância. Ao menos a este passado – nós no passado. Se estou aqui é porque sou mais animal que vegetal e minhas ampolas de ser ainda não acabaram.

E sinto assim esse sentimento de alívio, de admiração por esses anos que já vivi. Ando, ao contrário do que pensavas, realmente pensando mais em mim. Ando a desejar coisas mais ou menos destinadas aos artistas muito populares. Hei de tê-las.

Nem que seja por uma cena improvisada ao pé da cadeia que me porá em liberdade. Ou dentro do tanque com o qual avançarei pelas ruas da cidade. Um espetáculo inusitado. A originalidade de um feito expressivo nunca antes tentado.

E hei de contar como fomos os dois. Nossa história secreta, pois aos olhos de todos fomos perfeitos e mesmo agora que apodrecemos, ainda há aquele choro velado de quem andou muito por perto, pedindo para nos ver pela última vez.

Isso é uma estupidez. Não estamos mais. Não concebemos.

O certo é minha Querida, que na parte maior dessa conversa porvir eu não faço questão que apareças. Não como mais do que uma personagem ciente de tudo, mas impotente. Que descobre pouco a pouco que não suporta o amor que tem. Não se anuncia ao mundo, porque em seu mundo já tudo foi conquistado e feito.

Não importa. Cumprirei o papel de narrador e protagonista. À moda de como sempre fui, mas tinha vergonha, pois achava que devia ser menor e mais humilde. Às favas com as pequenezes, o mundo inteiro me espera. O mundo de terra e água corrente, onde foi feita tua última morada, em cujo epitáfio se encontra as palavras: …até o tempo em que puder me sentir amada.

Sinceramente,

J.Mattos

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