terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Para ser inteiro

Todos tentaram
Abriram seus compêndios e me incluíram em seus eixos
Por tudo eram capazes de achar anormalidades em minha fala
E eu calava segredos, o grão dentro do oco
Era de seus usos avulsos, locupletavam-se em mim
Mas não diziam que era isso, tinham covardias demais os bagres
E foi quando surgiu não sei por que essa destreza
O filho estranho que comia silêncios e poemava tudo que doía
Agora que lembro a coisa me surge como barro
Se desfazendo, ora servindo para moldar um homem perfeito
O que não sou, nem nunca hei de padecer
É só achaque e reclamação de que não sou mais como antes
Que o tempo muda, não importa, não importam os anos
Eu sou o mesmo que quis ser quando morri de espera-los
A porta dos berros, querendo socorro que nunca vinha
E de tanto orfanato eu crispei medo daquela gente
Mas é só isso que de pra sempre eu não sou feito
E sim! Quando eu chorava doendo todo por todo o dentro
Era dela que diziam minhas lágrimas
Aquela por quem diziam eu estar perdido – e estava
Pois foi nesta distração de vê-la mexer no cabelo com os dedos
De acomodar seus sonhos presos atrás da orelha com uma trança
Foi nesse molde que fui feito, felizmente
Pronto para não servir dentro de casa e ainda bem
Mas ser inteiro até derramar minha última saliva
E percorrer o mundo esfomeado de uma gula,
Que se não for celeste, Deus que me proteja – ou não
Mais um cachorro chutado na morte e sorrindo
Banido; do que se diz à boca pequena que é medonho
Por dentro eu pareço de tanto tudo, que nada sei
Para mim, amor é mesmo que aragem perfeita
O mesmo que ser de tal modo e todo dela que não pode
Ser todo fome e prazer.

J.M.N.

Trilha sonora…

3 comentários:

Anônimo disse...

As palavras estão sempre a tua espera e te beijam com vigor. Docemente és palavra.

Lindo José!

Anônimo disse...

Pô querido, essa música é de matar qualquer um... Lindo, lindo, lindo.

Juliana.

Anônimo disse...

"Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
O menino aprendeu a usar as palavras.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com suas peraltagens. E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos". (Manoel de Barros, 2010)

E a mãe tinha razão. O homem de hoje continua a ser o menino que conheci carregando água na peneira. E hoje o amo por seus despropósitos.