Tantas emendas, mas o corpo ainda aguenta a estrada. Aqui
nesta vida não se usa transporte rápido. Tudo se passa na longa via de chão
batido e às vezes buracos. Esta via, entretanto, é que talvez já não seja a
mesma do início. Tantos desvios e túneis, ramais. Como novas veias paridas no
escape, na aventura. Meus heróis estão fora do alcance de meus retrovisores.
Esfumaram-se pelas rotas abandonadas. A graça é que nenhum deles viveu tanto
quanto eu vivo agora. E como disse o personagem do filme de aventuras: o problema não é a idade, mas sim a quilometragem.
Duas voltas em Marte. Duas vidas na mesma vida e ainda a infinita bondade dos
livros para dar precipícios nos quais entro e saio vez em quando. Meu tacógrafo
aponta erros. Não posso ter existido só isso. Fico feliz quem nem Neruda a
dizer por aí – confesso que vivi! E
se a mágica da existência é compreender que ela só serve se temos gente ao
redor. Bem, estou no meio do espetáculo. A claque trás de mim vibra com quedas
e corridas. Eu me vejo nos olhos deles cheio de lágrimas e às vezes raiva. Não
sou o estrangeiro Mersault de Camus que queria mais gritos de ódio em sua
morte, tampouco Ivan Karamasov que sem Deus achava que tudo podia, ou não achava
nada. Sinto-me o Zé de Adélia Prado: amado como
homem, com meu coração de carne, com minha matéria, fauna e flora, e mais ainda
meu poder de perecer... Sinto-me desligado dos meus ódios primitivos. Da minha
preguiça de amar que me serviu apenas para embalar tristezas. E sinto-me na
grande peça de teatro do Nei Lisboa a correr meus olhos entre o presente e o
futuro que agora almejo com força tanta. Meus vinhos, meus livros, meu filho e
os filhos que ainda quero que venham. Ver a Lua que me ocupa a metade pela
manhã alvorecer como só ela sabe. Depois de deitar entre mortos, de esquecer
como soava a minha voz quero esclarecer o mundo que não nasci pronto nem
perecerei com saldo ou heranças. Caibo neste tempo que me arredonda e apenas
isso. J.M.N.
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