terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Eu serei pra você o que não importa saber

Ao me esquecer sairá dos teus registros nossas aventuras em África, água boa das fontes de Santo Antônio, um lugar qualquer onde paramos para espertar a tarde e tirar o pó da estrada de dentro das esperanças. Usamos. Ousados. Como fossem os medievais coquetéis para fingir entidades e tocar Deus com os neurônios tesos e a boca ressecada. Um luxo que aprendemos em Malta. Quando saíres de mim ficará o mar de Figueira em meus olhos empapando a dor do lugar que ocupavas e agora só fica sendo uma de minhas metades. Oco com nome e sobrenome. As iniciais cravadas em bronze. E o que me resta é olhar as letras perdendo o brilho como as de uma sepultura doada ao tempo. Onde morremos é o lugar em fica o último beijo. Morri na tua boca silenciosa mil anos atrás. Ao menos deixei tuas sandálias a vista antes de sair pelo mundo. Ao me evocar quem sabe no ódio profundo que me dizes sentir, serei a lança ou a espada aguda que rompe músculos e cartilagens. Nunca mais o perdão sequer. Nunca mais algo mais entre nós. Perdemos as cartas, as roupas, os guinéus feitos à mão. Quando quiseres me amaldiçoar sei que ninguém se salvará da tua fúria. E dos cânones de tua ira sairão as palavras vida e eternidade para unidas significarem o que não fomos, o que não fui, aquilo que sinceramente esperavas nunca ter pretendido alcançar. Serei tudo o que não importa mais saberes. Serei a minha química desordenada. Serei o último a sair da livraria. Serei aquele que sempre se esquece dos dias de finados. Uma pedra. Um pássaro de canto triste. Serei o mais culpado dos culpados quando te esqueceres de mim. E quando eu voltar àquela praia gelada num mês de dezembro qualquer, abraçado ou sozinho estarei sempre lamentando uma única coisa – ter consumido sozinho o que era para ser de nós dois. J.M.N.

Para ler escutando...

Nenhum comentário: