quinta-feira, 3 de março de 2011

Treva

Para o meu irmão Renato,
que conhece uma história parecida...

Ele morreu cego. Perdeu a visão paulatinamente por conta do diabetes. Naquele natal embalava-se em sua cadeira, rezando baixinho na escuridão. Já não esperava visitantes. Não esperava nada senão o destino.

Quando os irmãos chegaram, pediram-lhe a benção. Única exigência vitalícia que ele impôs. Depois de abençoados a avó veio de dentro e lhes serviu refrescos, um pedaço de pão separado cuidadosamente.

O gosto era como um transe que crescia, ao chegar a certeza de que as coisas andavam para trás naquela casa. Apesar das impressões, havia a imensa felicidade de estarem recebendo visitas. De fato uma surpresa.

Naquele natal, ao saírem da casa de seu avô, os irmãos tiveram a certeza de que o pior de tudo não era a treva contraída, mas o esquecimento. E o acenar solitário de sua avó num sorriso, disparou-lhes o correr de uma dor pela consciência.

Aquilo tudo doía tanto por que os músculos requeridos pelo reconhecer do abandono eram os seus próprios músculos. Era sua própria carne queimando por dentro. J.M.N.

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