segunda-feira, 28 de março de 2011

Sem rebeldia

Por todas as coisas estúpidas que escrevemos
depois de sentir demais. Ou vice-versa!

Quem diria que eu pediria misericórdia.
Não dava nada pela menina e agora não sei se vivo sem ela. Ela não se rendeu jamais e eu tive que incluir uns três capítulos na porra do livro só para falar de uma estranha. Isso antes de nos consumarmos, é claro.
Primeiro de tudo: não sei como dizer adeus em polonês e nem sei se quero aprender. Segundo, o livro do Isidore Ducasse não me sai da cabeça...
As tais rebeliões internas e coisa e tal, e os personagens se misturando uns com os outros feito líquidos instáveis. Terceiro - e pior. Todo dia, as seis da tarde, tê eu em pé, na porta do trabalho dela, esperando ela sair e me dar o primeiro beijo do dia. Já se foram quinze e cada vez que os conto - os beijos - perco um pouco do auto respeito e vivo para esperar o dia seguinte.
Tudo tem sido estranhamente desordenado e sincero entre nós.
Mistura de desatino com ficção barata e flores roubadas das cestinhas matinais dos cafés da praça central. - "Teu cheiro amor". Nem é assim.
Ela tem problemas em me entender e isso deixa as coisas cada vez piores.
Tanto melhor, pois vai chegar o tempo em que eu também não vou mais querer entender nada e ai... Perfeição. Nada mais.
Dez pras seis.
To eu aqui. Na frente do trabalho dela. Um frio de rachar. Nem escuto mais os meus segredos e minha própria intimidade. Deve ter se extraviado e pulado para junto da intimidade dela numa das nossas noites intersticiais.
As vezes, também, penso que posso pensar por ela, mas quando dou conta... O contrario. Só o contrario.
E se for assim?
E se eu estiver estabelecido na certeza dela como nem eu mesmo sei se posso estar na minha própria certeza?
Já se cantava ha tempos: quem tenta fugir faz sempre o avesso. Então...
Só tem outra coisa em que penso tanto quanto nela.
Na escrita. Na literatura. Nos romances escritos vidas antes de nós.
Talvez isso venha em primeiro lugar. Talvez.
Sísifo e seu trabalho. Eu e minha ânsia. Subindo e descendo as costas de Anna.
Uma vez mais.
Um dia mais.
Como qualquer amaldiçoado que não tem futuro e talvez, pior, tenha tido seu passado anulado por uma maldição bizantina. Tempos antigos e arremedo das lembranças também fazem parte do jogo.
Nem fodendo eu caio na tentação de ser perpétuo para ela. Ela que se vire para eu querê-la para sempre.
Quer saber?
Foda-se suas costas perfeitas.
Seu silêncio que me intercala melhor do que o melhor dos interlocutores.
Adeus – em português mesmo – para a pintura que começamos ontem na parede de seu apartamento e nada mais de café sem açúcar. A fortaleza da vigília que tome outro rumo.
Seis da tarde. E eu aqui.
Parado na frente do trabalho dela.
O primeiro beijo do dia. Já são desesseis.
Posso, enfim, inaugurar a espera pelo dia de amanhã.
- Vamos pintar hoje? Ela pergunta num abraço.
- Claro! Comprei o azul turquesa que você pediu.
Eu sou um mentiroso. E um fraco. Não disse uma palavra.
Não antecipei nenhum dos seus gestos.
Tô quase congelando para fazê-la quente e não dou a mínima para minha
faringite que só faz piorar. Não me rebelei em voz alta. Não disse não a essa quase dependência. Mais um dia. Menos de mim para os outros.
E por mais hoje. Só mais hoje. Um foda-se para todos os escritos. Eu quero a carne dela. J.M.N.

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