domingo, 13 de março de 2011

De esfarrapar e cerzir

Vivo querendo saber o que fazes, por onde escutas os sons que deixamos nas paredes da tua casa e da minha. Sei que eles vêm. Para mim e para ti. Em constância não definida, em ondas sobre-humanas captadas apenas nos intervalos das tuas conversas com outrem. Vivo querendo encontrar as mesmas marcas de servir e ser que tínhamos em nosso pertencimento furioso e mundano. Pernas, braços, esôfagos arfando enquanto nos dávamos. Onde existe esse tipo de efeito? Onde se recupera essa aura terrivelmente esfomeada e liquidante? Vivo querendo amar de novo tuas pernas, tuas marcas de nascença, o feitio dos teus braços e a arquitetura delirante dos teus prazeres. Encontrar-me no interior do teu dentro. Mais fundo que toda tua dor, mais parte da tua anatomia que a feitura divina previu. Vivo lidando com a falta, com a embalagem vazia de um presente que me foi dado por um larápio, cuja recolha sabia ser inevitável. Vivo querendo me empanturrar de nós dois com a fome de oitocentos e vinte um dias sem praticar o vício de ser teu. Extinguir-me-ia se preciso. Furtaria se preciso. Mendigaria nas avenidas largas da coragem que tinha ao teu lado. Sobretudo, eu provaria que somos dois lados de uma mesma moeda, farinha do mesmo saco, bastardos do mesmo celestial desejo de completude. Escaldados pelas muitas vidas que escolhemos viver em paralelo, surrupiados pelos dublês que escolhemos para tomar lugar em nossas farsas. Provaria que não era tempo de ir, que não era certo rasgar os acertos, jogar a toalha. Provaria teu gosto de saudade lancinante, de afasia diante da descoberta das semelhanças que nos entrelaçam e fazem suar às descobertas. Estaria pronto em menos de uma hora, de pé ao lado do carro, perguntando pelo destino da viagem, pelo rumo a ser tomado e ficaria febril e leve ao te ouvir dizer: me leva até onde der, amor. J.M.N.

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