quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cartas a ninguém (18.09.2009 – 1:31h)

De um lugar inventado, 18 de setembro de 2009.

Recebi umas cartas anônimas. O endereço conferia, mas nenhuma delas citava meu nome. Recebo este tipo de correspondência há dois ou três anos e desde o começo parece que não são para mim. Não sei por que continuo a ler. Confesso uma certa avidez no rasgar dos envelopes e só diminuo o ritmo quando chego ao fim. Leio de novo e fica um vazio. Sinto que não há sustento para essas palavras vindas de não sei quem. O anonimato tem mesmo esta qualidade, pesa menos que a vanguarda da entrega aflita, da madrugada compartida entre abraços e risos por lembranças e vírgulas.

No entanto, guardo todas elas com um cuidado extra por aquelas que trazem cheiros. Não sei quem os põem no branco do papel, por detrás das letras. Algumas vezes atrapalham a leitura, pois mais densos que o conteúdo dos verbos, que os invisíveis sulcos da demarcação das serifas e pingos e acentos circunflexos. São bem poucos os motivos para olhar esses detalhes, mas sempre que não encontro um remetente, vou até o fim das diminutas formas de abandono que cabem nas linhas que escondem talvez alguém que eu conheça.

Não há disputa entre meu sono e o fazer desta busca pela razão de ser destas cartas. Não deixo de pregar os olhos por elas. Mas, sabe? algo me diz que eu deveria. Talvez eu seja egoísta demais como disseste. Talvez eu não entenda mesmo aquilo que está bem à frente de meus olhos, como afirmas por anos e anos. Mas estar na distância dos anonimatos não é o mesmo? Não é transformar-se em árvore ou poste bem na frente dos olhos que se queria estivessem apontados para a gente?

Eu pedi tudo. Nunca me contentei com menos que uma vida inteira. Todos os meus dias são infinitos em cascas de noz. Dimensões irregulares que prendem um fluxo inesgotável de dissensos e ocasos, um oceano de achaques, vozes estranhas e pele enciumada. E no fim, tenho anônimos que insistem em me dizer o quanto sou finito na apuração da realidade que me destelha e acomete. O quanto sou desconhecido na terra de quem sabe mais de mim que eu mesmo. O quanto sou impeditivo para alguém que declara belezas e amores, mas não sente um rumo seguro para me dizer sequer seu nome.

Sinceramente,

J.Mattos

P.S. Anônimo (adj.): sem nome, sem aquilo que o nomeie. Quem empresta um mistério para declarar uma verdade?

4 comentários:

Isoldinha disse...

Também nunca me contentei com menos que uma vida inteira.E uma vida com um tantinho de mistério torna-se mais interessante, não? (me lembrei de Gil.."mistério sempre há de pintar por aí..."rs)
Quando vens a SP?Bjs

José Mattos disse...

Por isso fazemos parte da mesma história minha amiga. Tudo é tudo! rasgar-se é cada vez mais raro. mas e daí, né?

Sempre haverá a música, a poesia e amigos assim para defender a pátrias dos "demasiados".

Sampa... Não perdes por esperar.

Beijo.

J.Mattos

Anônimo disse...

"Pátria dos demasiados"... Essa é muito boa Neto. Tens vaga para mais uma?

Bjs,

Juli

José Mattos disse...

Que bom que vieste Juli,

Para se naturalizar, basta sentir-se.
Já estás lá sem saber.]

Bjs,

J.Mattos