Quando bem pequeno, quase um pensamento, comia o coquinho das samaúmas. Os moleques diziam que ficava inteligente. Não falaram a quantia, mas me agradava pensar que inteligência dependia dos humores do vento. Desimpaciência de moleque, ou ficava mais esperto ou ia empinar curica. Mas lá nos intestinos do Guamá não tem dessa, quando queremos vento assobiamos assim: fiufiufiufirifiufiiiiiiiuuuu. E lá vinha ele com o mau humor lento de quem acordou recente. Ajudava assobiar às seis da tarde, quando o vento vinha mesmo de qualquer jeito pra varrer pras ilhargas as nossas diabruras do dia: os caralhos e as rasteiras, os cascões arrancados e os desobedecimentos inconfessados. Lá nas lonjuras do meu tempo era assim, até o perdão vinha embuchado de poeira e sacos plásticos. Só safava os farrapos de enchimento e palha onde morávamos. Dentro daquela ruína quente que se fez minha morada de sonhos, mamãe preparava um peixe de pitiú longuíssimo que me avisava na rua a hora do almoço. Na sala, enquanto um irmão pensava em partir, outro em ficar, todos esperávamos o seu João Cotó chegar arrastando sua paternidade cambaleante. As irmãs quebravam as pontas das facas e escondiam as frigideiras. Mamãe não era fácil, estava sempre com o cinto numa mão e o pente na outra, pras horas que a vida escusasse uma lição ou um afago. No quarto de cima, eu escrevia nos cantos não usados de um velho caderno: essa minha infância dorida há de acabar quando o mano chegar do colégio. Eu nem mostrei isso pro Sérgio. Também, naquele tempo nem tinham ainda inventado o amor, e eu já vinha com jirais desabados no coração. O peito arreganhado pra sonhos enganava a velha Gueomá que insistia que o menino tinha espinhela caída, que benzia com uma arruda que murchava, que punha emplastro sabiá, que tinha que cair e não podia arrancar, que nunca funcionou, posto que nunca deixei de me interessar por desimportâncias, nunca me contentei com o sabugo da língua. O emplastro ia caindo com os banhos no fundo do quintal, mas o sabiá ia ficando, como uma sentença em canto e vôo. WDC
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