Abri as janelas. O ar entrou úmido e voraz como sempre. Inspirei fundo o sol de um novo dia. Ácaros mortos aos montes sobre os lençóis. A cama fica bem embaixo dos raios matinais como ela não queria. Seu querer distante. Um devaneio: olhos me atendendo a saudade de revés, secretos. Vi um acidente. Tudo bem todos saem andando dos carros. Muitas buzinas e uma senhora gritando que tudo está um caos. Ela tem toda razão. Abri os armários, todas as roupas são minhas. Todos os cabides vazios. Toda a inutilidade de roupas que estragaram e das quais não consigo me livrar. Parto para as explicações. Minhas exceções não convencem ninguém. Lembro do frio do qual me abriguei num casaco e cheiro aquele templo momentâneo de meu eu de anos antes. Lá estou quase inteiro. Nada dela para me livrar. Seu novo porcelanato que não me sai da cabeça. Encontro cartas. Nada que eu possa me desfazer. Mesmo que tivesse, não me desfaria. Ai aconteceu um lápis de olho. Todo homem é pequeno diante de um lápis feminino antes delas declararem estar prontas a sair. E a felicidade foi de saber que a tive. Rasguei papéis, montes de lixo. Refiz minha arrumação, passei pano úmido no chão e encontrei coisas que talvez fossem dela. Sentei para descansar da lida no sofá da sala e lembrei de apagar as mensagens do celular. Toda nova vida devia começar com um celular novo. Ou com a ausência de um. Morri de novo. Coisas secretas ditas meses antes. Não tive coragem. 98% da capacidade de memória atingida, diz-me a máquina. Que se dane, compro outro aparelho para manter a limpeza de fora. Porque dentro tudo anda do mesmo jeito, sabendo a coisas guardadas, que é assim que sei estar pronto para seguir. J.M.N.
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