terça-feira, 28 de junho de 2011

Liturgia

17Ele é anterior a todas as coisas
e todas elas subsistem nele.

da Carta de São Paulo aos Colossenses

Nossa cidade é mínima. Logradouro de esquinas cumplices a esconderijos. De onde aqueles que desejam se encontrar, aceitam o fato de que muitos olhos estariam olhando o mesmo mapa da procura, caso fôssemos ávidos demais aos reencontros. Dia de missa, ela veio. Já não esperava que aquilo acontecesse, ambos alinhados a esperar comunhões, rezando em silêncios as preces possíveis, as palavras menores que davam para ser lembradas. Ela não estava só. Um breve relâmpago no cenho. Eu também não estava. Depois do susto fiquei quieto. Pensando pensamentos felizes por aquela sua condição. Queria desde sempre que pudéssemos, um dia, estar felizes dentro do mesmo espaço. A memória veio. Com sua estuosa sabedoria de incêndio, de enxame, sobrepujando todas as defesas, arrancando portentosa a realidade da gente e num segundo avesso aos ossos e peles e sentimentos ungidos que me deleitavam nos dias antes, cedi. Cedi ao que mais poderia ceder, minha rota de olhar invadida dela, sem lágrima, porém fios de ouro próprios a labirintos. E a reconheci bem dentro do que eu via e interpretava como o que fora. Toda a escultura críptica de nossas piores e melhores escolhas, de nossas mais vulgares e retintas entregas. E compreendi o que havia passado, apenas o tempo. Minha luz encontrou-a observando a confirmar se era eu. Quem sabe a dizer-se que já não tinha importância, que eu morrera inteirinho dentro da sua felicidade. E este foi meu resgate. Caso vivo, porém indevido, encontro pedras em suas ruas. Se em vez disso, assentado à mesa dos seus banquetes lunares, aquele olhar voltado a mim foi de festa. Finalmente estávamos felizes num mesmo espaço, mesmo opostos, mesmo esperando o pão dos homens, alimentar nossos espíritos absolvidos. J.M.N.

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