Acabara a água. Pingo sequer. A tarde era bem maior do que eles esperavam. E o rastro da noite parecia, estava perdido naquele dia. Viajavam para longe. Ser alguém na vida. Mesmo que desse apenas para um, a riqueza querida, ou possível seria dividia. Amores é que não. Cabiam apenas no imaginar agora que a boca estava seca e que a alma guardava as últimas espécies de frescor para que seus corpos não morressem. Paravam muito. Por dentro e por fora. E vinha sempre a pergunta mesma: que fazer? Mas sem desistência possível. Simplesmente deixavam a pergunta ecoar no silêncio da estrada. Uma, duas, três cidades amistosas e então, os tiros. Estavam com os anos montados em seus olhos. Ganharam aquelas expressões de passados do tempo que têm os mortos pelo segundo dia de velório. Era visível que seus cabelos não estalavam ao passar dos dedos. Mais uns tiros dados para cima. Alguém gritava seus expurgos. Maior que o medo da morte era a confusão que ficava por não serem queridos. Não faziam mal a ninguém e, no entanto, acabavam expulsos dos lugares. Demais do tempo naquelas peles que avermelhavam sob a solidão solar do caminho. Morreu um dos cavalos e passaram a se revezar na caminhada e no lombo do que sobrara, pois este estava muito fraco para levar dois corpos. Aconteceu o que não esperavam uma ventania. Um deles perdeu os olhos para o vento e para a poeira veloz que roubava tudo ao redor, inclusive a formas das plantas que haviam resistido à falta de água. A terra, porém, consome tudo. Uma noite que chegou tão tarde que tinha sido esquecida, o mais novo deles, cego e cansado, disse sorrindo: e eu pensava que veria nosso destino apenas ao chegar, mas está aqui comigo no escuro. É o mar Calixto. Vejo o mar em nosso destino. Não sabiam bem porquê, mas o sono veio bem àquela noite. Derrubou os corpos, as saudades últimas, as preces fininhas e a vontade de água. Foi um repouso longo e escuro para os dois. Ficaram por lá naquela noite, naquela noite que trouxe apenas as histórias de dois irmãos. J.M.N.
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