Dormi profundamente aquele dia. Senti-me acolhido, resguardado. Sobretudo de mim. Impossível fazer coisa tola, esquisitices. Quando cruzei aquele portão, pude ver muito mais que uma felicidade duplicada, pude ver a lua que insistias em me apontar - não por maldade como disseste, mas porque ela estava simplesmente perfeita. Tinhas razão. Aquela lua secular é que habitou meu sono naquela noite. Obrigado por tudo. Pela confiança do segredo e pelas coisas que não se pedem a qualquer um. A manhã foi de festa, a tarde de gritos felizes na piscina com aqueles filhos adoráveis. E as frutas do quintal alheio. Meu quintal da infância reapareceu como num milagre - saudade postiça - e pisei até em formigueiro brabo. Tenho marcas dos mosquitos que vocês disseram não existir e muitas outras de coisas que finjo não terem acontecido - é o que posso fazer, já que doem tanto que nem sei como continuam existindo na memória ou como permitem rigidez aos meus tecidos. Talvez o pago, enfim. Anos e anos me protegendo de gostar de verdade dos outros. E vocês abriram aquele portão para que eu entrasse completo, um corpo sem morada, um surrão de cacos quem sabe perecíveis. É assim que me sinto hoje, chamando-os de amigos: casa cheia, festividades, lua alta dando tento da poesia do encontro... esperando ver o filme que vocês disseram lembrar de mim. J.M.N
Um comentário:
Reza a lenda que o sono é o prenúncio da morte. De certo, dos males esse não é o pior, já que nesse ofício de morrer todos os dias, legando ao mundo o melhor de nós (incluída nossa estupidez). Em troca a vida nos devolve seu escárnio, sua maldição, para que adormeçamos chorume e amanheçamos pasto. Desse outono em que te desfolhas, retornarás inteiro e redivivo como a primavera. Podemos até aceitar que esse é o momento mais escuro da noite, desde que saibamos que é a véspera do amanhecer.
Te deixo um poema meu, nesse nosso caminho de cultivar estrelas.
Um forte abraço meu amigo.
Domingo
Ontem quando da despedida da tarde
pronunciei teu nome, pus no bolso alguns raios de crepúsculos
debruçados em meus ombros fatigados de viagem
e pus-me a colher os rastros de memória
perdidos na cidade.
Era vermelha, poucos azuis despontavam ao final da tarde.
Quase nenhum dera luz à noite, muito havia a se esperar
Mesmo num instante ínfimo de umedecer de lábios e o toque das
pálpebras, uma vida inteira, muitas vidas aliás, nasceram e jaziam.
Prescindia-se de muito tempo aos grandes acontecimentos.
Resolvi catar ventos que prenunciavam a chuva
Ter com a poeira em redemoinho revivida da terra
Um colóquio de serenidade.
Indagar-lhe de quantos solos sua vida fora feita,
só para saber de quantas muitas vidas é feita uma terra ressurgida.
Não alcancei as marquises que protegem os transeuntes
na verdade me entreguei à chuva, permite que ela, de mim,
bani-se todas as algas marinhas e restos de embarcações
trazidas dos inúmeros naufrágios que sofri.
No caminho de volta contemplei em desatino poças, córregos e
inundações.
Á vida em constante encontro e desintegração. Tudo fora limpo,
nascido, para tornar a morrer.
E o mundo é um constante sendo. E o que nele acontece a mim acomete
num mesmo átimo de segundo, então desaparecera a linha fronteiriça que nos separa do resto do mundo.
E cá estou com as palavras, tendo sobrevivido à criação do domingo
Mimetizo alguém neste instante brincando com estrelas que nos olha
sorrindo.
Marcelo Costa
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