sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Vaga viagem

Sobre a música Ramilonga - Vitor Ramil

Espero que a chuva passe, é tudo o que digo. É o único desejo que cultivo aqui dentro, nesses dias. A sensação de frio é passageira, pois logo lembro que o fardo da floresta é maior que o verde que vai diminuindo a olhos vistos. Faz parte dele o calor e a umidade densa de existir-se vivendo num ar gelatinoso que agracia os pulmões com muitas faunas invisíveis, com as lembranças do que deveria ter sido de uma outra era, mas paira no ar deste local. Em meio ao desperdício de afrescos de saudade em minha mente, vou lembrando os caminhos que construí para mim, nesta cidade que já me inspira outra partida. E continuo a lembrar da canção querida que fala sobre tantas coisas precisas e desertas de um outro lugar que eu já conheci. Bem poderia ser o centro do teu corpo, ou o teu cansaço depois de um dia inteiro de trabalho e salões de beleza. Ela fala da inveja de quem nunca foi, por medo de se extinguir ou quem sabe de querer voltar ao primeiro obstáculo. A partida é sempre a beneficiária das derrotas, dos medos e do reconhecimento das mil impossibilidades dos que ficam. O sentimento de estarmos errando em meio a esta displicência com nossos desejos é que ainda incomoda. Os ares que ocupam minha respiração afagam a memória das minhas células e passo a reviver nos mais remotos capilares do corpo, a densidade de tua presença que inaugurou minha carne como um ser integral e disse-me para o que sou, para o que sinto, para o que deveria sentir. Peço para que esse ar modorrento me carregue, pois como na canção lembrada é tudo muito lento e triste, como tangos de guarda-chuvas, como o passo da multidão que insiste em me descobrir além desse meu tempo obrigando-me a entender que tudo tem limite, até mesmo a coisa bruta que me fez estar contigo e declarar-me perdido de amor e fé. Queria apenas um descanso, como essa despedida que não tenho coragem de proferir. E mesmo sem saber para onde vou, digo nunca mais, com a mesma força frágil de quem pensa que pode, sozinho, derrubar a muralha de um inimigo qualquer. J.M.N

Para ler escutando...

2 comentários:

Wagner Dias Caldeira disse...

Vitor Ramil é sempre inspirador. Sua música me faz sentir frio e solidão, mas com ele essas são sensações boas.

Anônimo disse...

Muito bom!

Muir