segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A morte é para os mortos

Sobre uma história contada por meu Avô
e sobre muitas coisas que eu aprendi com ele.

No dia em que morreu, Horácio não chorou. Tinha os olhos mais azuis e limpos que de costume e recordava-se da primeira vez que chegou em Santana e avistou o campo com as flores que ela cultivava. “Essa é a visão da paz”, disse para si. Tinha a estranha impressão de que sua vida continuaria depois do tiro e, por mais que se esforçasse para ficar triste e denunciar que partiria como eles tanto desejaram, pôde apenas alegrar-se com o que tinha sido sua vida: um punhado de dinheiro, muitas voltas ao mundo, os segredos do amor em todas as línguas existentes e, por fim, o único beijo que não conseguiu. Ainda conseguiu abrir o livro na página de sempre, apenas para ler pela última vez a sua linha preferida em toda a infinidade de palavras que consumiu ao longo dos anos. Era um livro ruim, mas a parte em que os personagens principais falavam sobre amor era sublime, diziam no final Ainda vale à pena escrever sobre o amor. Pediu para que escrevessem em sua tumba algo que lembrasse aos que o visitassem, que ele mesmo acreditava nestas palavras. Os traiçoeiros companheiros de armas traíram-no também nisso e gravaram na pedra sem forma uma inscrição em latim que significava: eis aqui, um homem sem importância. E com essas palavras, adicionaram mais peso à sua existência, destacaram ainda mais a sua vida impressionante, pois não perceberam que homens sem importância não precisam de epitáfios para confirmar suas faltas e sendo assim, tiraram suas últimas culpas, antes dele alcançar o além. J.M.N

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