segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Depois que ela disse adeus

Depois que ela disse adeus não houve razão nenhuma para enfrentar a chuva e por nove ou mais dias eu fiquei respirando a tempestade que destruía a cidade. O peito cheio de agonia e vontade.

Era como uma pneumonia, uma desgraça pulmonar que ia me acabando enquanto o banco da praça me emprestava seu escombro para que eu existisse por mais um tempo. E já sentia que minha ossatura mudara, que minha compleição física se esvaia numa liquidez desumana que descia de meu corpo e alcançava sem a menor cerimônia os bueiros em redor.

Exatamente do jeito que prevíamos, chegamos ao fim. Sem nenhuma conversa de tentativa, sem justificativas, sem desesperos para estancar o tempo que corria solto em nossas palavras de adeus. Nada.

Depois daquele maldito dia em que eu lhe dei as desculpas para atravessar a rua e me deixar sob a chuva impressionante que caía, nunca mais houve gerâneos nos livros lá de casa. Todas as frases, todos os poemas e os romances, estagnaram suas produções de saudade e apreço em meus olhos e eu fiquei também abandonado das ínfimas felicidades que cabiam nas linhas que ela marcava com um lápis mal apontado.

Sua letra quase infantil espalhada entre as linhas dos meus livros se tornou o pior dos depoimentos, a pior das armadilhas. Tornou-se a escritura de minha lira mais cativa, das minhas lágrimas mais salgadas e contínuas. Seu código escrito a segredar os desejos que um dia ela jurou que dividiria comigo.

Depois que ela disse adeus, comecei a cultivar a impressão de que os móveis dormiam mais cedo, a água turvava no copo recém-lavado e minha coleção de retratos antigos, de repente, passou a contar minha própria história. Eu talvez tenha de dar mais crédito àquela chuva e voltar ao banco que foi nosso, esperando cheio de dor e caridade que a enxurrada leve de vez, a memória silenciosa que ainda a mantém definindo o estado emocional de minha derme. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

...a memória silenciosa que ainda a mantém definindo o estado emocional de minha derme"

aproveito para dizer que isso é sensacional também.

Flávia