Em outubro de 2006, escrevi a carta que segue a um amigo. Um grande amigo. Que me acaba de salvar sem pestanejar, dando-me razões para acreditar que não estamos inteiramente sós em nossas aventuras sobre esta Terra. Que acaba de passar por aqui e deixar um riso sem pilhéria ou covardia. Um amigo que está há mais de dez anos me ensinando os limites de ser e estar. Quando escrevi esta carta a ele, respondia a um seu encontro que me foi relatado e que lhe trouxe muitas sensações ruins, talvez nunca antes experimentadas. Hoje, enquanto maturo uma espera solicitada e eu mesmo vasculho a lembrança em nome de novas crenças e conhecimentos, tive vontade de dizer novamente as palavras que seguem e com a permissão desta pessoa que faz de minha vida uma grande seara de reencontros e descobertas, dedico-lhe (dedico-nos?) novamente as palavras ditas há algum tempo, acreditando que para ambos, as coisas ainda vão nesses termos.
Engraçado isso de sentirmos falta. Essa necessidade repentina de regresso. As mais inusitadas pessoas, lugares ou acontecimentos, de repente, fazem-nos a maior falta do mundo. Entendo-te perfeitamente. De alguma forma, nossos contrários e desafetos nos motivam. Tornam mais lúcidos os nossos pensamentos e quereres. Desconfio que também tenham planos de nunca nos esquecerem, os travessos. Estão sempre aparecendo nos lugares onde estamos. Onde menos esperamos que estejam. Afoitos em aparecer e nos dar notícias sobre o passado. Requentar por segundos nossas raivinhas ancestrais e depois dar novo tempero às nossas revistas do passado. Novas alegrias e risos dantes impensáveis, surgem diante deles e suas histórias absurdas. São nossos pares, sem dúvida. São parte da substância que nos define. Que nos coloca a todos no mesmo baú de novidades antigas para os redescobrimentos. Nossas baratas perenes. Mastigáveis como a de Clarice. Transmutáveis como a de Kafka. Ridículas como as do cinema moderno. Também existem os histéricos a abonar nossas iras com comportamentos hilários, em todos os sentidos. Malucas e suas estupidezes teóricas. Bernardos, Cantídios, Zéfiros, Anas, Paulos, Orfeus, suas idiosincrasias, e tantos outros nomes e apelidos. Alguns já sem rosto. E lá nesse mesmo quadro de ilusões e saudade estamos nós. Os mesmos nomes em pessoas mutantes. As mesmas alcunhas a circunscrever as massas complexas, o tempo e as palavras que fomos naquele passado agradável em que estivemos tão cheios de teorias e amores pessoais, que definimos como menores ou estranhas essas pessoas, esses nomes e suas existências magníficas. Quem sabe eles tenham feito o que fomos incapazes de fazer - ser. Quem sabe sua consistência seja pura e a nossa, apenas uma ficção barata. Beije e abrace os nomes e os donos que fizeram parte de nossa história em comum. Diga-lhes novos amores e ria sonoramente aos seus versículos e saliências. Confirme-me, depois, que eles ainda estão lá. Atemporais. Benignos. Fiéis às nossas memórias construídas. Sendo, simplesmente, parte de nós. Como nunca soubemos, saberemos ou, talvez, tenhamos-nos permitido acreditar. J.M.N
Um comentário:
agora lembro dessa carta. lembro também que tentamos mandá-las pelo correio inicialmente, uma última resistência de dois românticos incuráveis. Finalmente aderimos aos e-mails, melhor assim. Fizemos um blog, inventamos lugares onde ríamos e chorávamos pelas mulheres e pelas chineladas da vida.
Espero continuar salvando e sendo salvo.
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