sexta-feira, 6 de maio de 2011

De te fabula narratur

Não era uma densidade miúda, incontável pelos aparelhos terrestres seu beijo ou sua simples presença no ambiente. Era um desalentador presságio de incômodo, de loucura e morte, como cancros recém-despertos por todo organismo. Sobre sua presença, a multidão falava quase como aquele diagnóstico nefasto, está entre nós, temos pouco tempo de vida.

Era assim que se construía o ferrão da ilusão de sentidos perdidos por sua simples existência entre nós. Todos os pecados redobrados e sessões de cura espiritual fora dos limites da cidade. As senhoras ostentando cada vez mais brilhosas alianças e pérolas dadas pelos maridos. Como se fossem as joias, certificados de amores luzidios e santos. Antes disso, a reprimenda antecipada, pelo aponte do desejo que agora havia se materializado nela.

Nada disso dissuadiu-a de ser quem era. Uma força cósmica com pés sentados na terra. Bem no meio dos corações perdidos de minha cidade natal.

Ao que se conta, depois de ela partir com seu escolhido, todas as festas perderam a revolta silenciosa das senhoras casadas. Os maridos não se sacrificavam tanto para ir à missa dominical e por fim, os jasmineiros de Calcaia, de onde ela colhia as flores para seus perfumes, começaram a dar menos cheiro.

Os sentidos da cidade, afinal, deixaram de responder às mesmices. Tornou-se impossível viver sem a lembrança dela na cidade. J.M.N.

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