segunda-feira, 14 de junho de 2010

No que repousa minha crença

Eu trago as compras.
Ela o pão. Apenas um pacote na mão esquerda.
Conversamos sobre coisas normais, o assassinato terrível no bairro ao lado, a separação do vizinho, cactus crescendo na floresta tropical.
Eu trago histórias, lendas divinas e livros muito extensos.
Ela refaz a cor dos escaravelhos e da tarde, aproveita cada gota da geléia aberta e ri completamente de eu ter me esquecido das chaves dentro do carro.
Somos maltratados os dois.
Passamos do fim do mundo.
Eu, ceifador de virtudes. Cartago vencido ou Heleno por ânsia e ancestrais.
Ela lembra um rosário bem dito, uma flor que mesmo sem cheiro é a mais procurada.
Ela efetiva minhas impossibilidades com a pele mais mansa, com as mãos mais gentis.
Eu venho de um longo desejo desencontrado. Ela da rocha que fez o mundo.
Eu venho cortando os pulsos há milênios. Ela faz pinturas com meu sangue.
Eu fiz um filho para amar mais que a mim mesmo. Ela nem pensa em ser chamada de mãe.
Eu detesto a espera que ela me faz ter. Ela adora meus macarrões inventados.
Há dias que tenho uma pergunta guardada, que me esconde outra dúvida mais antiga.
Eu tenho tantos segredos que ela me conta.
E ela, apenas Ela, tem todas as verdades a meu respeito.
Talvez por isso mesmo, eu ainda precise de um ou dois de seus conselhos.
Ou quem sabe precise de uma vida inteira para ouvi-la ir-me completando com as palavras. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

queria ser merecedora de um amor assim. seus textos me fazem sonhar alto. delirar.

Bjs.