sexta-feira, 18 de junho de 2010

Hiato,

“O som desta paixão desmente o verbo
Mais santo e mais preciso e enxuga a lágrima”

Mário Faustino – O som desta paixão esgota a seiva

Eu fujo.
Corro com medo de ouvir novamente as palavras.
Mas sempre que me encaixo na cama, quando o mundo para e agir sobre minhas obrigações é para aquele momento que retorno.
Um retorno eterno.
Talvez por isso tenha mudado minhas horas tão drasticamente. Para sentir um investimento que seja apontado para mim.
Talvez por isso que meu tempo perde peles como e fosse uma serpente que vai ficando mais velha e menos sábia.
Minha geladeira já não responde.
Não há alimentos.
Eles partiram com aquele seu olhar de revolta e dor do último dia.
Você tinha razão.
Tinha acabado de achar mais evidências. Mas, Chèrri, eu fiz o que tinha de fazer.
Um dia esse mal-estar recairá num poema e eu talvez fique sóbrio de novo.
Enquanto isso, acho pouca a embriaguez de sentir tua falta.
Tenho procurado um cão. Um companheiro que lata todas as vezes que se sentir traído. Indubitavelmente me morda se eu o tentar machucar. Ele ficará ao pé de minha cama, guardando meu último pote de sono. E quando eu esquecer que é mais importante ser de mim mesmo, ele também irá tomar uma atitude. E poderá fugir desistindo de sua lealdade. E mostrará seu desapontamento passeando tranqüilo na coleira do vizinho.
Eu deixo que as coisas se deteriorem ao meu redor.
Como besouros fazendo casas em minhas janelas e levando, pouco a pouco, meus restos mortais, minha vergonha. Seus passos silenciosos e minúsculos a escapar das prisões da noite. Roubam meus restos de comida, minha rapidez para com o trabalho.
Fico automático. Repetindo caricaturas de alegria. Montes e montes de fadiga.
E escrevo versos que ninguém entende.
E lembro o som da máquina de costura de minha mãe, e ela dizendo que não pode mais consertar minhas blusas ou que as calças rasgadas servirão para bermudas.
Lembro disso encurtando meu dia. Renunciando a fome que cresce e atrapalha meu choro desmantelado. Cristais caindo.
Meu rosto tem portais para mentiras. Mas diz também que sente a sua falta.
Que sente muito, enfim.
Não sei quem pode me dizer onde estou.
Ando tão separado ou além ou distante de mim, que nem mesmo a minha carteira de identidade serve de amparo, não me nomina.
Sou uma coisa separada e menor.
Muito mais desatado que as cordas e âncoras erguidas de navios cargueiros que partem. J.M.N.

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