sábado, 26 de junho de 2010

E era sempre morrer por engano

Pendido naquelas palavras eu ficava horas esperando que acabasse a dor pungente que ela sabia iniciar. Sabia tão bem meu organismo que eu negava. E fazia isso com a esperança de que acabasse logo. Naquele ano comecei a mentir para mim mesmo. Foi quando soube da estiagem. Secava algo dentro de mim. Como houvesse um acúmulo de todas as secas do mundo bem no centro da minha alma. E tudo recomeçava. Como bons acrobatas, usávamos a gravidade, as elipses austrais um do outro. Usávamos os espaços nulos e imperceptíveis que haviam ficado fora de nossas faltas. Como partições escondidas num fundo desconhecido da gente, eram pequenas falhas que redundavam em omissões predestinadas a morrerem sem jamais serem descobertas. E, no entanto, nós dois tínhamos faro para justamente estas. E as tomávamos. E ficamos nisso de imbricar nossa amplidão um no outro. De tal maneira que jamais haverá possibilidade de se tirar todos os resíduos. E que de tudo fique um pouco. Do agrado ou do escárnio. Ao menos para lembrar que houve presença. Para além da natureza que enxerga e encontra, para muito mais longe da inquebrantável dureza da realidade, nos pertencíamos. De um jeito que ainda não existe nome para dar. De um jeito que beirava a extinção catastrófica do mundo, como uma luz artificial que só apaga com um tiro, como morrer por engano e continuar sendo feliz. J.M.N.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que doído e lindo esse texto. Tantas coisas agudas e serenas ao mesmo tempo. As veze é difícil acompanhar esse turbilião de sentimentos que são teus textos...

Isoldinha disse...

"Ao menos para lembrar que houve presença".Senti-me numa espiral de emoções, num turbilhão...algo que não vivi, não senti, mas desejei.Teus textos me encantam.Sempre.É sempre bom "te ler" daqui(ainda na paulicéia desvairada".Beijos no coração.

Anônimo disse...

Quantos Sabaraus pendentes em minha amiga?
Temos que nos ver... Isso é um fato.

Beijos muitíssimo saudosos.

J.Mattos