quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ela tinha de ter nome de puta

“Há coisas
sobre
as quais
me quero
calar
porque
preciosas
de mais
precisas
de mais”

Adília Lopes, em César, César

Pachorra minha. Testamento para superar sua existência. Eu queria mais e o mais dela me queria inteiro, por dentro, infestado de coisas que ela pudesse sorver. Eu, um refil. Ela tinha de ser coisificada para que minhas veias a contivessem, suportassem. Fui mal sucedido, de todo. Assim tive de inventar uma pronúncia, uma queixa que fosse ao mesmo tempo usual e indissociável de seu ser, como firmamentos que se inventam para aludir amores demais. Ela tinha de ter o nome de uma puta.

O problema é que eu não conhecia nenhuma. Voltei aos sonhos. Ruídos de uma infância tragada pela fome do que ainda não tinha. Voltei lá no quartinho das empregadas. Enjôos por toda parte. Medo de ser pego e pactos secretos. Me deixa entrar que eu não conto que você anda roubando a mamãe. Descobri que tinha embutido o gene da alcovitagem e cedi. Cedi para minha constituição. Armanda? Carmem? Florence? Essas eram putas refinadas demais. Voltei a paredes suadas e noites de ter medo de mim mesmo.

Ela ainda dentro. Comendo todas as pegadas antigas. Dragando com sua voracidade andrógina minhas referências. Tinha ficado perigoso. Vou morrer, mas antes dou nome a essa maldição e passo a comandar a festa. Dai, vieram as girândolas e mais uma vez uma série de enganos infantis. Lembrei que tinha uma história guardada. Achei o nome que dar àquela vertigem. Poderia ficar livre dentro do que sentia, pois ela não representaria mais perigo.

Corri pelo caminho até chegar à sua casa. Subi as escadas correndo. Derrubei um senhor que descia com sacos de compra. Gritei-lhe um palavrão. Ele revidou. Isso me deu um fôlego. Cheguei à sua porta exatamente as vinte e cinqüenta de uma sexta-feira. Quando ela abriu percebi que era tarde demais. Ela tinha se antecipado. Nua e perfumada me chamou para dentro. Eu calei. Eu entrei. Foram meses a me perder dentro dela. Ela tinha de ter nome de puta. Chamei-a, então, pelo seu próprio nome. E me nasceu uma lembrança. Altercando sua ira corpórea com nomes inventados, violência doméstica, memórias e os mais improváveis estados de entrega. J.M.N.

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