segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Reminiscências

Anteontem recebi tua carta. Muito obrigado. Havia tempos que me perguntava se não haverias de me responder. Mas depois cheguei a conclusão de que o tempo foi ideal, pois, afinal, também demorei a escrever e como somos muito parecidos em relação às repostas e compromissos sabia, no fundo, que demorarias para responder tanto quanto eu demorei a dar notícias. Nada mais justo.

Notei um tom de memória em tuas linhas, como se não fosse prático ou seguro falar no tempo presente, como se ainda fossemos ontem, novas palavras para antigamente. Obviamente, deves ter percebido, que te escrever é uma artimanha para fugir do fato de que podes, simplesmente, ter superado tudo. Esquecido. Ou, como tão polidamente registraste, o que é da memória é da memória. Queria, neste ponto, que o tempo ou o local não fossem os mesmos.

Sabe, as coisas se encaixam como que por força de uma realidade para sempre desabilitada a me descrever. Um homem não deveria escutar as tais coisas que sempre me dizias, é muito perigoso. Passei longe das prudências e tenho saudades da tua mãe, por mais incrível que pareça. Sou da noite, um impostor, como me disseste. Mas jamais deixei de freqüentar os sentimentos mais profusos a teu respeito.

Obrigado pela resposta. Apesar de curta e dura e certeira. Obrigado por assinares estas linhas. Posso sugerir ainda aquela nossa música para a tua fúria recorrente e que dirijas para aquela praia em que nos encontramos na primeira manhã depois do retorno. Obrigado, sinceramente, por estares me dizendo com pequenos atos que ainda tendes estar por perto.

De noite a cidade se transforma em meu interior. E as tuas ruas, as tuas janelas, o portão do teu prédio são meus quintais. Perto de minhas lembranças mais meninas e seguras de que ainda serei um homem bom. Visito estes teus espaços, provando o acre das horas sem sono, porém lembrando das moitas e esconderijos onde eu ia existir quando criança, esperando esse torpor que eu sabia, tua lembrança desde sempre me causaria. J.M.N

3 comentários:

Anônimo disse...

Hoje, eu já até acredito que nós(pessoas)não somos só "ontem",somos algo de lembranças muito remotas que de certa forma aflora nesta exixtência como vivências ou lembranças inexplicadas.
De certa forma,até deixam ou deixaram cicatrizes das quais sempre procuramos uma resposta óbvia se possível.
E alguns até procuram mesmo entender,seja para entendimento próprio ou sarar alguma ferida da alma,ou evoluir.E até a busca de um reencontro.

Achei este teu texto maravilhoso.Concordo.

Pode até não ter nexo,mas eu queria ter escrito isto.

Obrigado.

Hellem.

Anônimo disse...

Sinceramente, acho que tinhas de transformar essas coisas em livro. Este texto é belíssimo. Se publicasse o que escreves no blog, certamente compraria.

Beijos,

Lu

José Mattos disse...

Por esses seus comentários, lembrei de duas coisas de Thomas Mann:

"A felicidade do escritor é o pensamento que consegue transformar-se completamente em sentimento, é o sentimento que consegue transformar-se completamente em pensamento."

"Certamente é bom que o mundo conheça apenas a obra bela e não as suas origens nem as condições em que foi gerada; pois o conhecimento das fontes de onde provém a inspiração para o artista causaria frequentemente perturbação e espanto, neutralizando assim os efeitos da excelência."

Escrevo por que preciso. Ter esse tipo de retorno, confirma mais do que a alegria por lerem estas linhas. Confirma a necessidade.

Abs,

J.Mattos