quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Chega

Sobre a música Explode Coração, Gonzaguinha

"A espera é feita mais de fantasia do que de realidade"
L.A. Garcia-Roza - O silêncio da chuva

Chega de mudar o tom dos sins e ocultar atrás da porta tudo aquilo que foi feito para te dizer frente a frente, sem armas ou punhos cerrados. Chega de adotar o que nasceu no pântano de nossas bocas aborrecidas e traídas, enclausuradas na dor eterna de querer demais, temer demais e jamais ceder. Chega de estudar os comportamentos como em experimentos dificílimos e constrangedores, tal como forma e temor de olhos em aberto, secando no espaço-tempo desta verdade inominável que nos perfaz. Ao que lembro dos tais escritos, de tempos imemoriais. Lembranças iniciam casos. Inauguram amores. Mantêm ativos os romances atávicos. Chega de adorar as distâncias e se atirar pungentemente aos finais adiados incontáveis vezes, como nossas carnes jamais quiseram, como se nossas bocas nunca mais estivessem prontas para dizer sim. Chega de se dar e pedir clemência pelo desassossego que se tornou farpa e mais tarde o veneno inoculado em nossas torturas mútuas, chegando a concluir noites adoráveis em comparações aos desterros de outrora. Chega deste dano, desta cova que de tão rasa ameaça desdobrar-se num canteiro para os gerânios e de tão estreita, chega não comporta nossas almas demasiado entregues às coisas que só nós sabemos um do outro. Noutra parte destas linhas está teu nome, noutra escolha de palavras está meu sentido que, ignoto, sabe a silêncios e ataques de pânico. A manhã deveria nascer como num parto. Chega de contar os adereços de tua roupa esquecida na gaveta e trair meu equilíbrio ao cruzar contigo na vigília eterna que é meu sono. Chega de recorrer ao pensamento mais cansado para me afundar na normalidade infestada de simplismos que são as horas de trabalho e a rudeza com que trato meus pares. Chega desse encontro secreto que embota as vontades como os cárceres mais sujos, como as tardes mais cinzentas, como a insana profecia dos que nunca tiveram amor. Chega de sentir minha pele a se rasgar definhada sob a luz do sol nascente, nas manhãs da tua ausência. J.M.N

Para ler escutando, muitas vezes...

2 comentários:

Angelo Cavalcante - disse...

Ôpa... pode ser depois das 10 da noite? Vou trabalhar na Feira do Livro, mas já quero ficar por dentro desse projeto!!!

Abs

Paula Menezes disse...

Acredito, salvo melho juizo, que Gonzaguinha responde a Chico Buarque "O que será que será...
E mesmo o padre eterno que nunca foi lá.. Olhando aquele inferno vai abençoar...O que não tem governo nem nunca terá...O que não tem vergonha nem nunca terá...O que não tem juízo" E vc J.N o reescreveu belamente.