quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Reconhecimento

“[…] Só tu saberás o segredo da minha predestinação.
Só tu saberás a extensão de tantas caminhadas,
só tu conhecerás a casa humilde em que morei.
Quem saberia romper o sortilégio que me cerca,
ó sol vermelho, aurora dos agonizantes.”

Lúcio Cardoso – A uma estrela, 1944

Fazes um som estranho quando estás com sono e teu espaço na cama duplica quando começas a pertencer à inconsciência.
Não sabes nem tocar violão.
Nunca aprendeste a escutar mil vezes a mesma música.
Quando queres muito uma coisa começas a deseja-la em voz alta indo ao redor de tudo quanto gosto para ouvir de mim que tens razão, que aquele sapato que queres faz todo o sentido em teu armário.
É por ai que busco entender porque amo tanto às tuas idiossincrasias. Mas, arremesso longe os pensamentos. Uma vez mais tenho que me convencer que já partiste.
Porém, fremes em minha vida de manhã à noite.
De madrugada não sei, pois agora tenho pílulas para dormir também. Meu sono é químico. Entretanto se eu puder reivindicar algo, que seja essa tua pequena culpa diante de tudo o que eu quis saber sobre mim: livrei-me dos adágios e contos secretos, mas preciso de pílulas para garantir o sono.
Me abraça mais uma vez.
Faz como nos ensinou Adélia, me abrasa.
Me vence mais uma vez.
Coloca tudo de volta no tonel esquecido na adega de meus pais. Aquele licor de afetos que libertei.
As tuas pálpebras inferiores escondendo as lágrimas depois que eu te feria, as abas de teu nariz operando uma respiração doida e raivosa, porém, assim mesmo, quente e macia.
Teus pés lembrando quelônios tranquilos indo de encontro à minha insensatez. Teus passos singrados em minhas ilhas desertas.
Me descobriste.
Me afloraste como ninguém jamais o fez.
Quero um barco pirata, as contas gregas que te dei.
Quero voltar à santidade do bem que exalavas.
Nem quero isso. É mentira. Não faz sentido. Aqui, é por onde começo a minha volta.
Dois dias depois estarei em Sevilha, esperando um trem para me levar ao teu encontro. Meu cachecol enroscou na roleta. Meu destino ficou por lá. Atrasado na estação central.
Mas agora tenho de esquecer.
Então te vi novamente.
Movendo-se e disposta a concluir teu plano.
Sou teu espectador mais exigente.
Me diz: como farás para esquecer que o mundo foi nosso um dia? J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

Me diz: como farás para esquecer que o mundo foi nosso um dia?

Que pergunta demolidora...