Carlos Murcio ouviu o som novamente.
Uma porta batendo. Um estalo forte que reverberou dentro dos seus pertencimentos.
Sentiu-se virado do avesso. Uma coisa dessas não se sente assim todos os dias, pensou.
De repente, estava de novo no abrigo dos cegos, ouvindo o ruído das bengalas procurando os caminhos. Perdidos recentes da luz dos dias, tentando aprender a seguir vivendo.
Sem conter a ignorância de seus gestos, empurrava todos que cruzavam seu caminho.
Muitos cegos estatelados no chão. Bengalas voando pelo ar.
Carlos espantado pelo bater da porta. Não saia de sua cabeça aquele estampido.
Sentiu os avisos de sua avó abrindo-lhe a memória para inflamar o próximo passo: a vida é só uma para vivermos de convenções.
Corria cada vez mais. O diretor, os seguranças, as enfermeiras, todos o estavam perseguindo.
Foi aos tropeções que chegou ao quarto de Marieta Berma.
Ela estava sentada à beira da cama, contando os lírios que colhera no jardim.
Não houve uma palavra sequer. O cheiro inconfundível do que sentira antes lhe voltou como um soco. Um sorriso. Marieta voltou a sentir as pernas.
Reconhecidos no silêncio dos que se esperaram uma vida inteira, tocaram-se.
Passaram anos naquele reconhecimento mútuo, abrandando o fôlego que parecia precisar de todo o ar da Terra.
Foi Carlos quem quebrou o silêncio: um beijo, Marieta, um beijo apenas e a vida inteira para tentar.
Vai ser difícil, ela disse.
... a vida é só uma para vivermos de convenções, repetiu Carlos em voz alta. J.M.N.
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