Enquanto os deuses dormem, os homens andam por ai. Tropeçando em tudo como se fossem cegos, eles todos. Sou um destes aos tropeções. Andando por ai é que vou definindo onde posso e onde não posso ficar. Há lugares para sentar e ver o céu chegar bem perto da gente. Como se fosse uma borboleta desgarrada voando pelo cheiro da luz. Somos assim os homens que andam por ai. Cheirando o que não se deve cheirar, fatiando o ar em busca de novas dores, desde o princípio dos tempos.
Enquanto andamos, feito cegos em solo lunar, sem gravidade ou rumo, sem a maestria das cores enfurnadas umas nas outras como acontece no outono, os deuses confabulam se há acordos possíveis para nossos pulsos sem ritmo, para nossas andanças sem cuidado. Aqui e ali apiedando-se dos caídos em abismos, daqueles que retiram-se do palco antes mesmo de se anunciar o espetáculo. São assim os deuses. Não interferem, não arbitram. Apenas esperam. Um deslize, uma cópula, um poema cumprido na saudade perpétua do que perdemos.
Enquanto andam por ai as mulheres, nascem estações, alumbramentos. As nações se invadem consortes de paixões violentas. A navalha na carne, sempre bem fundo. Entre homens e deuses, a mulher triunfa. E sempre chega na frente. Enquanto todos dormem ou falam asneiras, elas parem nossos filhos amados, multiplicam a vida. Evocam a comunhão dos homens e dos deuses. Chacoalham suas estruturas e a música produzida interfere no trabalho, na rapidez da lida. Sabem a todo dissabor do mundo e, ao mesmo tempo, a toda vida emanada da gente. J.M.N.
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