Por causa de Dashiell Hammet e todas as assassinas a solta por ai.
Eles usavam Soraya. Usavam-na para os piores serviços. Sabiam que ela dava conta. Que sua calma e brandura de voz destruiriam os obstáculos. Ela sabia como mutilar argumentos com seu beijo de armada e imobilizar as vontades com o mover de sua estrutura. Estava havia muitos anos na função. Ainda sonhava em ser resgatada quase morta, para que lhe dessem nova identidade, para que apagassem o passado espinhoso e, sobretudo, a perda dele, numa explosão na Nicarágua, nos anos oitenta.
Naquela noite, ela entrou mais bela que de costume. Mais vívida e calada que as atrizes mudas dos filmes que adorava. Cálida e impiedosa como planta assassina. Suave e desprovida de medo, como apenas as espiãs mortais podem ser. Seria sua última missão. O general entrou. Mandou deitar-se de costas. Ela obedeceu, mas disse que iria dar o troco.
Foi apenas uma estocada. Um punhal cravado até o cabo. Bem no meio das costas.
Soraya riu baixinho. Entendeu que sua utilidade havia acabado, como acabara nela a vontade de viver sozinha, havia anos. Debruçou-se no travesseiro quente e foi sentindo a vida sair de si. Nenhuma lágrima. O general não ficou para o fim. Seu marido morto veio segurar sua mão, mas àquela altura, já se tinha entregue à trama de sua vida – tirar vidas sem perguntar a quê, sair em silêncio, sem deixar vestígios. J.M.N.
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