segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Alimentar

José aprendera a andar. Muito pequeno dava passos profundos. A grama deitava para sempre depois de seus passos no quintal. Ainda não descobrira a sutileza dos mapas, as armadilhas do caminho. Sem escolha que fazer, José pisava o mundo inteiro num único passo.

Quando cansava pedia os braços dela, sempre aportados o mais próximo possível. E depois de lá estar, aconchegava-se na maciez que era sua idade inteira dedicada a ele. Um abraço que apenas era possível por ela ter sido dele duas vezes, desde o desejo de sua vinda até o primeiro mijo em suas roupas.

Ele a marcara.

Riscou fundo na carne dela essa necessidade de um amor que vem de antes das pessoas terem corpo. Antes mesmo de as almas ancorarem na matéria. Era uma troca fortíssima e intocável. Ninguém tinha o despeito de acabar com a escultura de abraços que forjavam os dois quando se estavam.

Depois do aconchego sentia fome, José pequeno. E seu olhar pedia a nutrição destinada a si. Carne, arroz, frutas ou pão, eram apenas os primeiros detalhes. Eram a entrada para a substância invisível que lhe cumpria a fisiologia indescritível das necessidades humanas mais básicas. Uma comida que era dada através do jeito de saciar-lhe a fome e não do alimento em si.

Naquela manhã de sol brando, José pediu o almoço com um sorriso e ela, impulsionada pela confiança que Olimpos e Édens festejam nos puros, raspou do prato uma porção do que estava dentro e com a própria mão levou à boca dele o alimento. E naquele ato de entrega e toque fundou-se algo. Uma espécie de completude permanente e secreta, como rir para as pedras ou confessar os pecados enquanto andamos sozinhos na estrada.

Ninguém sabe explicar a vontade que ele tem ainda hoje de possuir o alimento com as mãos, de sentir tudo quanto imagina saboroso na frente de qualquer gente e sem a vergonha costumas de quem só lambe os dedos no escuro. J.M.N.

Um comentário:

Anônimo disse...

Maravilhoso esse texto. Recheado de planos escondidos. Cheio de entrelhinhas.

Lilian