quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Absolvição

Diz pro pessoal que não é para mata-lo, Tonho. Não é para tirar a vida, não. Corre lá e diz pros moços que não foi bem aquilo que eu disse que ele tinha feito, o que aconteceu de verdade.
Vai Tonho, manda não matarem ninguém em meu nome.
Acho mesmo que foi tudo um engano. A tarde estava uma desgraça. Tanto trabalho. Minhas costas doíam feito pedra picada de estrada. Era minha décima viagem com a lata de roupa, Tonho.
Ele beirava sempre o meu caminho usando um livro como guia.
Parecia vir se arrastando atrás do bicho. Sempre lendo, sempre lendo. Mas não quero nem tiro nem faca. Não marca aquele peito bonito com risco na carne, não.
Vê se tem um livro com ele. Um de capa amarela com letra preta. Parecia bem surrado.
Vi aquele homem umas doze vezes esse último mês. Sempre no meu caminho. Nem bom dia, nem boa tarde ele dizia.
Tá me dando uma coisa, Tonho. Curiosidade de saber se era um sonho.
Pensando bem ele sorriu pra mim de um jeito simples, como quem chama uma flor qualquer de Rosa, feito quem se engana. Mas Rosa é meu nome. Ele estava falando comigo, então?
Ele estava falando.
Foi tudo tão de repente. Depois de doze dias, Tonho, sem nenhuma palavrinha. Ai saiu aquele monte de coisa mansa da boca dele. E foi me escorrendo dos ouvidos até o pescoço que nem rio desgovernado.
Desceu bem no meio da minha respiração e me deu um frio na barriga que só vendo.
E ele, ele falava aquilo olhando no livro. Estava engolindo as palavras e cuspindo para mim.
Mas com tanto cuidado que eu nem senti que elas chegaram. E foram abrindo um monte de urna que eu tinha no peito, Tonho. Dando um cheiro imenso nas coisas, uma vontade de ser mulher.
Foi como se eu me sentisse em mim mesma.
Acho que me deu medo.
Ele tem mágica de fazer o livro virar o que a gente quer.
Pede pra soltar ele, Tonho. Pede pra não cortar nenhum pedacinho dele não.
Corre pela campina que eu vou pela estrada velha.
Corre, Tonho, senão vão matar o amor da minha vida. J.M.N.

5 comentários:

Wagner Dias Caldeira disse...

Redimir-se de forma singela, na enternecedora história passada dentro de ti, passou então a um conto de salvar-se, salvando o outro. Confere?

Wagner

José Mattos disse...

Mea culpa, mea maxima culpa.

Como tem de ser.

J.Mattos

Anônimo disse...

Texto lindo meu fofo,

Cada vez mais fã sua.

Beijos,

Fabi

Anônimo disse...

Magistral!
Forma delicada de falar sobre o reconhecer do amor, o medo do que esperar do desejo.
Texto de primeira linha.

Manuel Jr.

Anônimo disse...

Meu querido,

Quando me enviaste esse texto, disse-lhe que devias dar-lhe logo à luz, entregar logo no Blog. Que bom que o fizeste.
É lindo, delicado, suave. Cheio das coisas que sentes e que és. Amo ler tas linhas.

Fabi.