terça-feira, 16 de novembro de 2010

Cartas a ninguém (17.11.2010 – 05:13 a.m.)

Querida,

Aquilo tudo que se passou no pesadelo de anos atrás, aconteceu. Neste mundo, a céu aberto. Com todos os detalhes e misérias, ademais. Foi feito de reboco e telhas o sofrimento sentido nos porões escondidos de mim. Hoje, nessa alvorada, a única coisa que me deu um alívio tão necessário foi pensar em ti. Posso dizer que acordei contigo. Que houve celebração no silêncio de meus incômodos matinais.

Fico pensando no que seria de nós em outros prados, em outras montanhas. Meus amigos cartesianos a dizer que a saúde mental depende de negar realidades passadas e tão felizes como momentos impossíveis ao agora. Porém, sabes que não sou assim. E sempre que ângulos e equações precisas me cercam, penso no abacateiro do quintal de minha avó, decretado morto há muitos anos, porém misteriosamente fértil até os dias de hoje.

É possível que minha substância seja que nem a desta árvore, que mesmo morta, dá frutos dulcíssimos, de um verde infante, cheio de vida. Penso mesmo que ela verá o ocaso de toda a família. A questão, portanto, não é a vida dos caules ou do tronco, mas as sementes. E como penso em deixá-las, querida. Como rogo para já tê-las deixado, mesmo quando passei feito furacão por teus olhos tão fiéis e esperançosos de minha mudança.

Nada há que soe mais tranqüilo ou humano que tua respiração no primeiro beijo, saiba. Nada há que não revolva mais febril e grave minhas noites que tua lembrança no começo de tudo. Eu apenas dedilhava os sonhos, amor. Era apenas um rufião do porvir. Mas nunca coube neste fato. Jamais aclamei a certeza de que agüentava o tranco. E mesmo na hora do primeiro não de minha fonte, sinto-me feliz e pessoalmente orgulhoso por ter aqui chegado.

Contra todos os desfeitos de colos e casas. Contra todas as ameaças de não ser e abandono. Fico feliz por saber encontrar meu rumo em minha literatura incompleta, porém vivente. Minha armadura de carne, sofrimento e verbo. Enquanto não há posses em meus papéis ou gavetas, enquanto a maleita desespera quem tanto quer, mas não sustenta, posso apenas pedir que entendas. Que apesar de nunca ter sido teu completamente, fui profunda e infinitamente nosso... ontem, agora e para sempre.

Sinceramente,

J.Mattos

3 comentários:

Anônimo disse...

"Você está vivo. Esse é o seu espetáculo. Só quem se mostra se encontra. Por mais que se perca no caminho. "
(Cazuza)

Anônimo disse...

" O amor verdadeiro sempre levamos conosco- Ghost-Do Outro lado da Vida.

Adelaíde Ferreira de disse...

Não sei até onde teus escritos são baseados no real, seja teu ou de outrem, mas, com essa leitura quase se pensa em perdoar aquele (a) que nos machuca. Pela intensidade e verdade do "viver o nosso" até onde vai suas forças...
A questão é que muitos prometem,acenam com esperanças vãs...
Compreender, entender existe. Trabalhar a dor é que difícil...