segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Desgovernar-se

Havia seu corpo a espera. Arfando renegado em si. Denegando aquilo que cobria a cama, ensopava os lençóis, clareava o breu da noite. Um ser em toda composição. Integral e pronto para acontecer humana, potente. Abastecida pelas histórias que ouvira, onde mulheres podiam ser de mais de um nessa mesma vida que lhe deixava apenas migalhas. Ela se encontra consigo. Úmida e material como as poucas coisas que conhece das riquezas do mundo. Seu toque de ouro, suas lágrimas de cobre e o suor de prata fundida queimando-lhe a pele que se descobre viva. Uma última oração tentou. Não lembrava as falas, nem a santidade que aprendera no colégio. Não lembrava as hóstias, os missais lidos em companhia da avó. Porém, estava-se. Foi-se indo de encontro a porção menos pertencida de si, menos instalada. Logo encontrou razões para saber-se mulher por mais tempo. As mãos onde antes era pecado. E sorrindo, desapareceu para o mundo dos que a conheciam como uma mosca morta. Sumiu dos olhos e mordeu os ancestrais vaticínios sobre úteros frios e destemperados, para doar-se aos ímpetos e sumos daquela região de si que até então governara por meio de sorrisos mortos e movimentos indiscretos na beirada das camas, em casas de toda gente. J.M.N.

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