quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O troco, o vento e o cão que não tivemos

Passava das três horas da madrugada. Tudo silêncio. Ela acordou. Perguntou qualquer coisa que apenas ouvi fininho do canto norte do meu sono profundo. Senti que o seu peso abandonara a cama. Não me mexi. Estava sentido demais para abraçar-lhe ou dar a mão. Ademais, tinha um dia inteiro de trabalho pesando nos olhos. Ela iria demorar. Enquanto isso passávamos umas férias em minha cabeça. Com praia, vento e um barco que esperava pela gente bem perto das docas. O dia do meu sonho acabava com ostras e camafeus. Depois de não sei quantos anos ela volta. Tateia a escuridão em busca de minha redenção ou culpa. Tenho certeza que era isso. De repente o terço de contas em lágrima da minha avó. O sono já estava repleto de tudo aquilo que eu amava. Era a simples presença dela. Aproximava de mim o que mais tinha de fundo e prezado. Ela me descobriu no escuro, já estava de costas para mim, precisando que eu a abraçasse. Resisti um pouco, meus olhos cerrados e o peso da noite em lufadas de vento fresco da Lombardia sonhada. Seu riso começou baixinho. Sonhei que a moça da limpeza pedia para ficar com o troco do pão. Levantara para ver se o dinheiro ainda estava no potinho da sala. E quando finalmente estávamos formando a mesma figura uma que moldava nossos sonos com a maior perfeição, ela me disse, acho que precisamos de um cachorro. Queria que ela soubesse que são esses detalhes de sua presença noturna, as coisas que mais doem em mim agora. J.M.N.

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