“Li nos escritos dos Árabes, […] que, interrogado Abdala
Sarraceno sobre qual fosse a seus olhos o espectáculo mais maravilhoso
neste cenário do mundo, tinha respondido que nada via de mais admirável do que o homem.”
Giovanni Pico della Mirandola
Discurso sobre a Dignidade do Homem, p. 49
Fartou-me escutar as agendas sempre cheias dos dias, as cartas jamais escritas e os presentes de aniversário esquecidos. Fartou-me o beijo ser sempre com a boca miúda de consumo pouco, um cano de calibre mínimo para o mundo. Enquanto desdobravam-se pomares e relicários em um, no outro, os casulos eram a única promessa possível e, ademais, aceitável.
Ir quebrando a confiança pouco a pouco é um risco. Dá-nos a impressão de que ainda somos os mesmos, porém o que vai no íntimo está distante há tempos. Calha que um dia uma grosseria estoura e as palavras mesmas que significavam amor e ternura afugentam e ferem como lâminas bem afiadas e precisas. Nenhuma carne resiste. Já estive em tantos corpos que posso dizer por certeza vivida.
Mas há nisso tudo um fio condutor que não está posto a ninguém. É como a cabala de tudo que foi caro e bento por muito tempo, mas que precisa de uma mística maior e mais incerta, pois a divindade se cansa fácil. É como a imortalidade de um amor aos pés do corpo de quem se ama. Dura o sempre para dentro. Nada mais.
Fartou-me enjeitar a mim mesmo nas costas do sol do oceano. Aberto e aquiescido nas naturezas de dentro. Desejos sofridos pela janela sempre fechada. Sufoco que só o grito não resolve. E ao cair do símbolo virei gente. Do tamanho próprio que sempre me coube. Errado, vil, adstringente, soberano das faculdades eleitas por todos da espécie, porém exercidas apenas por quem ama muito mais do que é prudente. J.M.N.
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